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Enquanto Lula culpa “pilantras” por inflação, povo paga o dobro pela energia de Itaipu

Por Fernando Jasper, na Gazeta do Povo

O presidente Lula tem se dedicado a apontar culpados pela inflação. Já acusou “ladrão” e “pilantra” e ameaçou tomar “atitudes mais drásticas”. Quem sabe ele se anime a dar uma olhada na tarifa de Itaipu, que teria muito a contribuir na redução da conta de luz.

Os brasileiros que moram nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste pagam mais do que deveriam pela energia que a usina produz. Quanto mais? Pelas contas da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, o valor cobrado é quase o dobro do que seria justo.

E por que pagam mais? Porque, em vez de ser calculada exclusivamente com base no custo do serviço de eletricidade, como estabelece o Anexo C do Tratado de Itaipu, a tarifa da usina tem sido fixada por negociações entre Brasil e Paraguai.

São os interesses dos dois governos, portanto, que vêm determinando o peso de Itaipu na conta de luz dos consumidores de dez estados e do Distrito Federal, cujas concessionárias são obrigadas a contratar a energia da hidrelétrica.

Um estudo da Frente Nacional revela que peso é esse. O consumidor residencial de São Paulo, por exemplo, pagou em média R$ 14,1 por mês pela energia de Itaipu em 2024. Se as regras do tratado fossem seguidas, teria pago R$ 7,5. O comerciante paulista, enquanto isso, desembolsou cerca de R$ 88 por mês, em vez de R$ 46. Não foi muito diferente nos demais estados: o gasto excedente, fruto da “tarifa negociada”, variou de 87% a 92%.

Você talvez tenha visto autoridades dizendo que Itaipu puxa para baixo o preço médio da energia no país e que a tarifa caiu no atual governo. Caiu – mas muito menos do que deveria.

O Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade (Cuse) de Itaipu, que era de US$ 22,6 por kW em 2021, baixou a US$ 20,75 no ano seguinte e a US$ 16,71 em 2023. Em seguida, porém, o governo brasileiro cedeu a pressões do Paraguai e aceitou elevar o Cuse para US$ 19,28 em 2024, 2025 e 2026.

Ficou combinado que a Itaipu pagaria um reembolso ao sistema elétrico, para manter a chamada tarifa de repasse aos brasileiros nos mesmos níveis de 2023. Ela equivale ao Cuse mais encargos e está em US$ 17,66.

O “cashback” parece uma grande gentileza. O governo Lula alardeou seu empenho pela modicidade tarifária. Mas sabe quanto deveria estar o Cuse hoje, caso o tratado fosse cumprido à risca? Em US$ 9, segundo cálculo da Academia Nacional de Engenharia (ANE Brasil).

Por que a tarifa deveria ter despencado? Porque um de seus principais componentes deixou de existir.

Por décadas, os principais custos de Itaipu foram o pagamento da dívida da construção, os royalties e as despesas de exploração – descritas no Anexo C como “todos os gastos imputáveis à prestação dos serviços de eletricidade”, como operação, manutenção e seguros.

A dívida acabou. Conforme esperado, a despesa com amortização e juros, que era da ordem de US$ 2 bilhões por ano, foi baixando – US$ 1,4 bilhão em 2022, US$ 275 milhões em 2023 – e é de zero desde 2024.

Tal alívio seria motivo de celebração. O preço da energia diminuiria, qualquer governo bateria bumbo. Mas não foi assim. A quitação, em fevereiro de 2023, passou quase despercebida. Talvez não quisessem chamar atenção para o fato de que a antiga promessa de queda da tarifa não seria cumprida.

O que a mantém nas alturas? A disparada de um outro componente. À medida que o custo da dívida foi caindo, Brasil e Paraguai inflaram as despesas de exploração. Elas eram de US$ 700 milhões até 2021, e deveriam ter continuado nesse patamar se o tratado fosse levado a sério, segundo a ANE Brasil. Mas em 2024 elas beiraram US$ 2,2 bilhões.

Produzir energia ficou tão mais caro? Não. O que aumentou foram os gastos com o que Itaipu e governo chamam de “responsabilidade socioambiental”.

Haja responsabilidade: rodovia, aeroporto, ponte, câmpus universitário, terras para indígenas, abrigo para emas no Palácio do Alvorada, financiamento da COP30 em Belém no Pará – fatura que chegou a R$ 1,7 bilhão, conforme mostrou a Gazeta do Povo.

Prefeitos, governadores e outros signatários de convênios com a empresa provavelmente não se queixam. Mas a oposição ao governo Lula no Congresso vê desvio de finalidade, má gestão e uso político e eleitoreiro de Itaipu. E coleta assinaturas para tentar abrir uma CPI sobre o emprego dos recursos da usina.

Semente do gasto “socioambiental” foi plantada por Lula há 20 anos

O diretor-geral do lado brasileiro, Enio Verri, diz que o papel de Itaipu não é só produzir energia. “É produzir a energia elétrica limpa e barata com responsabilidade social e ambiental. É a nossa responsabilidade, em lei. Não é uma ou outra, não dá para separar. Ou se sobrar dinheiro, faz a outra. É uma coisa só”, afirmou em audiência na Assembleia Legislativa do Paraná na terça-feira (25).

A parte da energia barata não é ponto pacífico. Segundo outro estudo da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, o preço do megawatt-hora gerado por Itaipu em 2023 foi o triplo da média de outras oito usinas amortizadas.

Quanto à “lei” citada por Verri, trata-se da Nota Reversal 228, espécie de complemento ao tratado assinada em 2005 por Brasil e Paraguai. O documento fala do “entendimento do governo brasileiro” – então presidido por Lula – de que as iniciativas de responsabilidade social e ambiental “devem inserir-se como componente permanente na atividade de geração de energia”.

Essa nota, que completa 20 anos na próxima segunda-feira (31), é usada como fundamento para tudo o que se gasta hoje. Embora chamada de “lei” pelo diretor-geral brasileiro, não foi discutida ou avalizada pelo Congresso brasileiro, como também não o foram os acordos de cavalheiros que mantêm a tarifa lá em cima.

O povo, representado pelo Parlamento, não foi convidado para a discussão. Mas foi chamado para o rateio da fatura. E tem dificuldades em checá-la. O entendimento de tribunais superiores como STF e STJ é de que Itaipu, por estar sujeita a um tratado binacional, não se submete diretamente às leis brasileiras – como a Lei das Estatais – nem pode ser fiscalizada por órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU).

Para a ANE Brasil, a Nota Reversal 228 não modifica nem poderia modificar os itens que compõem as despesas de exploração definidas no Anexo C, “que nunca sofreram qualquer alteração”.

O que a nota faz, diz a associação, é estender a Itaipu “prática comum à maioria das obras de grandes hidrelétricas construídas no Brasil, de realizar despesas destinadas à sua inserção regional”. “O montante dessas despesas não afeta significativamente o custo da energia produzida por essas usinas. Entretanto, os custos atuais das despesas socioambientais de Itaipu praticamente duplicam o custo de sua energia.”

A direção de Itaipu pensa diferente. “Cuidamos da usina, temos um preço baixo e devolvemos dinheiro para a população. Essa é a Itaipu e não aquela que aparece em fake news”, disse Verri na Alep.

Bônus não restitui o que é cobrado a mais desde a quitação da dívida de Itaipu

O executivo fez referência ao bônus de Itaipu, desconto médio de R$ 17 repassado a consumidores em janeiro, referente a um saldo de R$ 1,3 bilhão na conta de comercialização de Itaipu em 2023. Provavelmente haverá outro desconto em julho, do saldo de 2024, este estimado em R$ 657 milhões pela Aneel, agência reguladora do setor.

O bônus é formado por excedentes que seriam menores se a tarifa fosse calculada conforme o tratado. A generosidade esporádica, além disso, não restitui tudo o que é cobrado a mais desde a quitação da dívida.

Apenas em 2024, a diferença entre a despesa de exploração conforme o tratado e a decorrente da “tarifa negociada” foi de US$ 1,5 bilhão – cerca de R$ 8 bilhões, conforme a cotação média do dólar no ano.

GAZETA DO POVO

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