Quem é Frei Sérgio, o franciscano petista e “melancia” que critica Frei Gilson

A campanha de cancelamento contra Frei Gilson ganhou um reforço vindo das próprias fileiras da Igreja Católica: o franciscano Sérgio Antônio Görgen, mais conhecido apenas como Frei Sérgio.
Ligado à Teologia da Libertação, ao PT e aos movimentos sociais, o religioso gaúcho de 69 anos vem recebendo atenção na internet por criticar abertamente seu irmão carmelita. Sobra até para quem acompanha o pregador em suas orações da madrugada — segundo Görgen, esses fiéis “acham que o mundo está contra eles”.
Não que os dois rivalizem em termos de popularidade. Frei Gilson está próximo de alcançar a marca de nove milhões de devotos somente no Instagram, enquanto o franciscano tem pouco mais de 10 mil seguidores naquela rede.
Mas as falas duras de Frei Sérgio vêm colocando mais lenha na fogueira da polarização que também divide os católicos brasileiros. Principalmente devido ao tom irônico de um vídeo em que ele é acusado de desdenhar dos adeptos da oração do Rosário.
“Ah! Tem que falar dessa maravilha que é 700 mil pessoas rezando o terço às 4h. Que rezem o terço às 4h, às 5h, às 3h… Não tenho nada a ver com isso”, diz o franciscano, que atualmente vive em um assentamento do MST na cidade de Hulha Negra (RS).
“Esse tal de Frei Gilson”
Seu conteúdo com maior engajamento, no entanto, é um vídeo intitulado “Frei Gilson, demoníaco é o feminicídio. Empoderamento feminino é bíblico”.
Ao longo de 17 minutos, Görgen analisa a interpretação de Frei Gilson sobre Gênesis 2:18, que fundamenta a submissão da mulher ao homem. Para o gaúcho, a narrativa “desse tal de Frei Gilson” (ou “rezador das madrugadas”, como ele também chama o carmelita) é literal, fundamentalista e inadequada para os dias de hoje.
“A Igreja Católica exige que todos os padres cursem quatro anos de estudos teológicos justamente para não fazerem interpretações rasteiras e mal fundamentadas como essa. Não é assim que se interpreta a Bíblia”, afirma.
O franciscano ainda comenta a conotação negativa que o colega confere ao termo “empoderamento” em suas pregações. De acordo com Frei Gilson, o empoderamento feminino é sinônimo de “desejo de poder”, e não de “desejo de serviço”. Ele ainda afirma que “A guerra dos sexos, portanto, é ideologia pura, é diabólica”.
Em sua resposta, Frei Sérgio diz que, se há algo diabólico na sociedade de hoje, “é o feminicídio, a morte covarde de mulheres por homens ciumentos e mal preparados para uma convivência entre iguais”. E encerra afirmando: “Continuamos procurando entender a verdadeira mensagem salvadora de Jesus sem cair nessas falácias de desprezo para com as mulheres”.
Trégua rápida
Sentindo que pegou pesado com um setor expressivo da comunidade católica, Görgen compartilhou em seguida o vídeo “O que acho sobre rezar o rosário de madrugada”.
Ele começa explicando que é normal e saudável os católicos discordarem sobre “temas espirituais e teológicos”. “A Igreja prega unidade, e não um pensamento único”, diz.
Sobre as orações conduzidas por Frei Gilson, o franciscano admite que “vê algo muito positivo nessa prática”. Segundo o religioso, trata-se do resgate de uma devoção popular e uma forma de amparo para as pessoas “sozinhas, abandonadas e carentes” — principalmente num horário no qual “a ansiedade é mais forte”.
A trégua, porém, durou pouco. No vídeo “Quanto a Brasil Paralelo investe para impulsionar as suas redes sociais, Frei Gilson?”, Görgen faz o que chama de alerta sobre a relação entre o carmelita e a produtora de documentários conhecida por seu viés de direita.
Segundo o franciscano, a empresa defende uma ideologia “fascista” e “autoritária”, que despreza o meio ambiente, os pobres e as mulheres— posturas, ele diz, incompatíveis com o cristianismo.
Frei Sérgio continua: “Ninguém chega a seis milhões de seguidores assim do nada. Aí entram os algoritmos, os impulsionamentos [pagos]. E a Brasil paralelo tem muito dinheiro. Se existe uma parceria entre o Frei Gilson e a Brasil paralelo, tenho de dizer que isso não é cristão”.
“Falsos pecados”
A controvérsia sobre o terço volta à tona, e no mesmo vídeo Görgen desafia Frei Gilson a estimular seus seguidores a se engajarem mais em trabalhos comunitários. “Não pensem que o terço substitui a paróquia”, afirma.
A bronca acaba respingando até no Padre Paulo Ricardo, que o franciscano já havia criticado publicamente em 2024. Na ocasião, o franciscano condenou as visões teológicas do sacerdote assumidamente conservador — e que, para ele, abordam excessivamente elementos como pecado, demônio e inferno, além de se concentrarem em um “moralismo que não é saudável para a convivência fraterna”.
“Depois, você [Frei Gilson] e o Padre Paulo Ricardo ficam enchendo as pessoas de culpa e falsos pecados. Aí as pessoas vão lá atormentar a vida dos padres, querendo se confessar uma, duas, três vezes por semana. Porque se sentem culpabilizadas pelo tipo de moralismo que vocês espalham”, diz.
Frei Sérgio ainda insinua que a ascensão meteórica do carmelita faz parte de uma operação planejada pela Brasil Paralelo para atacar a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base. E pede transparência com relação à receita financeira gerada com a oração do terço online.
“Hoje de madrugada eu entrei na internet para ver [a oração do terço] e a primeira coisa que apareceu foram propagandas do BTG, do Itaú e de outros bancos. Quanto é que você ganha? Sei que o dinheiro vai para a congregação. Mas quanto é que a congregação ganha?”
O frei deputado
A religião não é exatamente o assunto principal dos canais de comunicação de Frei Sérgio. Orgulhoso de ter participado da fundação do PT, do MST e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA, do qual é dirigente), o frei se dedica mais a temas como política, agroecologia e “a luta no campo”.
Mensagens em defesa do presidente Lula também são uma constante em seus posts, bem como ataques a Jair Bolsonaro — o franciscano engrossa o coro do “Sem anistia”. Há, ainda, diversas reverências prestadas a outros nomes de proa do Partido dos Trabalhadores, como Paulo Pimenta, Paulo Teixeira, Gleisi Hoffmann, Paulo Paim e Olívio Dutra.
Aliás, Görgen foi diretor do Departamento de Reforma Agrária do Rio Grande do Sul durante uma das gestões de Dutra como governador. E deputado estadual pelo PT entre 2002 e 2006.
Não concorreu à reeleição porque o segmento que representou, o dos pequenos agricultores, “não tinha interesse em criar carreiras políticas”. Em 2022, tentou retornar à Assembleia Legislativa de seu estado, mas não foi eleito.
Além disso, escreveu dez livros sobre a relação entre o cristianismo e questões sociais, o risco de consumir alimentos transgênicos e análises conjunturais do país. Em alguns deles, acusa policiais de agredir e torturar invasores de propriedades, como “O Massacre da Fazenda Santa Elmira” e “Uma Foice Longe da Terra”.
Ou seja: o frei não é nenhum novato na vida pública, apesar de estar ganhando algum reconhecimento nacional graças aos comentários sobre Frei Gilson.

(Foto: Reproduçãp/Instagram @freisergiogorgen)
Greves de fome e Paulo Freire
Nas hostes da esquerda, Frei Sérgio é muito lembrado pelas cinco greves de fome que fez como forma de “protesto pacífico”. A última, e de maior repercussão midiática, ocorreu em 2018 e foi direcionada ao Supremo Tribunal Federal.
Durante 26 dias, Görgen e outras sete pessoas ligadas a movimentos sociais ficaram em jejum para reivindicar a libertação de Lula, então preso em Curitiba. “Conversamos com dez dos 11 ministros do STF. E alguns deles foram muito claros em dizer para nós que a justiça seria feita. Só não sabiam dizer quando”, afirma, em uma série de vídeos sobre sua trajetória.
O religioso também costuma ser procurado para falar sobre o educador pernambucano Paulo Freire (1921-1997). Os dois se conheceram quando Frei Sérgio estava exilado no Chile, na década de 1970, e mais tarde se reencontraram em um assentamento no Rio Grande do Sul — onde Freire aplicou conceitos de seu controverso método de alfabetização de fundo marxista.
“É um método interativo, politizador, baseado principalmente no debate, na emoção, não é só uma coisa racional”, diz, em uma entrevista para o site do MST, por ocasião do centenário de Paulo Freire, em 2021.
Comunista não!
Envolvido com causas ecológicas, porém rotulado como comunista, Görgen até brinca com um apelido que recebeu recentemente: “frei melancia” — verde por fora, vermelho por dentro. Mas faz questão de reforçar sua posição como socialista.
“Não acho justo que me chamem de comunista, ou de abortista, se não sou. Da mesma forma que não acho justo dizerem que a Teologia da Libertação vai levar as pessoas para o inferno, quando isso não é verdade”, afirma, em entrevista por telefone à reportagem da Gazeta do Povo.
Questionado sobre as críticas a Frei Gilson, ele garante que não gravou os vídeos buscando visualizações na internet — e se surpreendeu com o tamanho da repercussão. “Fiz uma pequena fala e a coisa ficou grande. Não imaginei que ia apanhar por isso, mas também não estranhei de apanhar. Já estou na luta social há muito tempo.”
Görgen admite que foi desdenhoso em suas mensagens, porém não poderia ficar calado diante de uma intepretação, segundo ele, tão equivocada da Bíblia. “Jesus não discrimina nenhuma mulher. Pelo contrário, a participação de Maria na história da salvação é decisiva”, diz.
Quanto à oração do terço, ele afirma não se posicionar de forma contrária a essa prática. “Como é que eu vou ser contra rezar o terço? Só não é a minha forma de viver a espiritualidade. Rezar o terço, para a minha geração, não é o que mais atrai. Não tenho problema nenhum com a devoção popular. Cada um deve buscar o próprio caminho de se encontrar com Deus.”
O franciscano, no entanto, cobra mais envolvimento em obras sociais por parte de Frei Gilson e seus seguidores. “Pode rezar às 3h, às 4h, às 5h. Se isso não for seguido de um compromisso com a caridade, não gerar um compromisso de amor, não tem valor. Se isso não levar a uma vida melhor, não tem valor.”
Para encerrar, ele jura de pé junto que não deseja o mesmo sucesso do carmelita. “Não é um combate, nem é uma inveja. Não preciso invejá-lo, nem ele a mim. Acho até que ele não me invejaria porque tenho uma vida meio solta, no sentido de muito livre. E ele é bastante conventalizado.”