“Viramos família”, diz mãe que adotou criança albina e autista
Após adoção de forma repentina, família enfrenta o desafio de criar menino autista e albino e superar negligências do passado
O pequeno Brayan, de 9 anos, deve começar em breve um tratamento para controlar as limitações de visão que tem em consequência do albinismo. A consulta oftalmológica marcada para 10 de junho é mais uma das tentativas dos pais dele de recuperar o tempo perdido em relação aos cuidados de seus filhos.
Maristela Vaz, 30, e Fabrício Arcanjo, 32, receberam a guarda de três irmãos em dezembro de 2022. Filhos de uma parente distante, eles viviam em um estado de grande negligência. Além de Brayan, chegaram à família Adriano, 12, e Izaque, 8. Adriano é autista nível 1 de suporte e Brayan é albino e autista de nível 3, o grau mais alto.
Os níveis de suporte do autismo se referem à necessidade de cuidado que uma pessoa precisa ter. O espectro autista é amplo e vai desde graus leves aos mais severos.
“Autistas de nível 3 em geral têm dificuldade de se comunicar, tendem ao isolamento e ao hiperfoco, passando por várias outras limitações e dificuldades para viver com autonomia”, explica a neuropsicóloga Nathalia Heringer, especialista em crianças.
Pelo grau da neurodivergência, Brayan ainda não fala, mas a família foi aprendendo a se comunicar através da linguagem do amor. “A gente conseguiu realizar nosso sonho de formar uma família e tudo aconteceu de forma natural. Formamos um laço muito forte do qual eu tenho muito orgulho”, afirma a mãe, que é esteticista.
Uma família por acaso
Maristela e Fabrício sempre quiseram ser pais, mas não conseguiram gestar de forma natural — por isso, entraram na fila da adoção. Atualmente, eles estão com toda a documentação pronta para a chegada de mais uma criança, mas estão na 26° colocação da lista.
O destino, porém, escolheu acelerar as coisas. Em dezembro de 2022, o casal de Itu (SP) recebeu uma ligação informando que os filhos de uma prima distante de Maristela precisavam de ajuda. Na época, eles viviam em Curitiba (PR).
O casal aceitou fazer a viagem para buscá-los, mas acabou encontrando uma situação muito complicada. “A genitora tinha sido presa e, além de tudo, as crianças sofriam maus-tratos. Entramos com o pedido de guarda judicial e conseguimos a guarda unilateral deles. Eles se tornaram nossos filhos do coração”, conta Maristela.
Segundo ela, as crianças viviam praticamente sozinhas, não se alimentavam bem e não tinham nenhum acompanhamento de saúde. “Eles ficavam trancados em casa e eram extremamente desconfiados, mas coloquei os três no carro e os trouxe para casa na fé e coragem. Na verdade, salvamos a vida deles e eles salvaram a nossa”, lembra.
Nesse momento, a esteticista ainda não sabia que duas das crianças eram autistas e acreditava que o comportamento arredio era fruto das violências e traumas que eles tinham passado. Com o tempo, o casal entendeu os filhos e foi aprendendo a lidar com eles.
Enquanto o processo para conseguir a guarda unilateral e definitiva dos filhos corria, Maristela e Fabrício foram dando às crianças a estrutura de educação e saúde que elas nunca tiveram acesso. Um exemplo foi colocar os meninos na escola, já que nenhum deles era alfabetizado.
Do ponto de vista da saúde, eles começaram a compreender o albinismo de Brayan e suas consequências. Além dos impactos da ausência de melanina na pele, a família descobriu que o menino tinha problemas muito severos nos olhos.
Problemas do albinismo
Alguns oftalmologistas de Itu se recusaram a atender o Brayan pelas complicações específicas que o albinismo pode trazer à retina e que não são facilmente identificáveis.
Segundo a oftalmologista Nubia Vanessa, do CBV-Hospital de Olhos, em Brasília, a condição pode levar ao desenvolvimento inadequado dos nervos ópticos e de outras estruturas oculares.
“O grau de visão pode variar de albino para albino, mas a pessoa com a condição pode ter baixa visão, fotofobia, movimentos involuntários dos olhos e estrabismo. Os óculos especiais conseguem corrigir os problemas oculares e podem também reduzir sintomas como a fotofobia e o astigmatismo, mas não curam a condição”, explica a médica.
Os pais conseguiram fazer um óculos para o menino em fevereiro de 2023 e o momento em que Brayan usou as lentes pela primeira vez foi gravado.
“A correção visual mudou a vida dele inteira. Ele passou a conseguir andar, a ver a gente melhor. Ele praticamente só nos conhecia pela voz, por que a visão era baixíssima”, conta Maristela.
Os meninos ainda precisam de outras correções visuais e têm feito psicoterapias específicas para o autismo, mas precisam de atendimentos mais especializados para se desenvolverem corretamente.
“Temos muitas dificuldades, mas passamos por tudo isso e com certeza vamos conseguir superar também todos os problemas que teremos no futuro. Assim são as famílias”, conclui Maristela.