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Mitos de Natal: Papai Noel não é inimigo de Jesus e nem foi inventado pela Coca-Cola

Tão certas quanto a chegada do Natal são as tentativas de desconstruir o significado da data. As “acusações” são muitas: que Jesus não nasceu em 25 de dezembro, que ele era palestino, que o Papai Noel foi inventado pela Coca-Cola e é um agente do imperialismo americano.

Mas essas afirmações têm bases frágeis diante das tradições natalinas.

Nascimento em 25 de dezembro é plausível

Uma das teses mais populares entre os críticos da tradição natalina é a de que o 25 de dezembro foi escolhido como dia do Natal para se aproveitar de um feriado romano popular. Mas, embora a data exata do nascimento de Jesus seja discutível, a teoria de que o 25 de dezembro foi escolhido para se aproveitar da data pagã (ou se sobrepor a ela) parece não se sustentar.

Ainda no ano 221, Sexto Júlio Africano, considerado o primeiro historiador cristão, estimou a data de encarnação de Jesus em 25 de março (dia em que até hoje o evento é comemorado pela Igreja Católica). Mais nove meses e tem-se o 25 de dezembro. Ou seja: um século antes de se tornar a religião oficial do Império Romano, o Cristianismo já usava um calendário semelhante ao atual.

Andrew McGowan, professor da Universidade de Yale, diz que a tese do feriado pagão é problemática porque não é mencionada por mais de um milênio. “É apenas no século 12 que nós encontramos a primeira sugestão de que a celebração do nascimento de Jesus foi deliberadamente colocada no tempo das festas pagãs”, ele escreve. A referência do século 12 aparece numa nota de rodapé em um comentário bíblico de autoria de Dionísio bar-Salibi.

A coincidência de datas entre o Natal e o feriado pagão é corroborada pelos calendários romanos. Mas, para alguns estudiosos do assunto, o mais provável é que o imperador romano Aureliano tenha promovido o feriado pagão para tentar enfraquecer o Natal cristão — e não o contrário. “A festa pagã do ‘Nascimento do Sol Invicto’, instituída pelo imperador romano Aureliano em 25 de dezembro de 274, foi quase certamente uma tentativa de criar uma alternativa pagã a uma data que já tinha algum significado para os cristãos romanos”, escreveu William J. Tighe, professor do Muhlenberg College.

Historicamente, outro argumento a favor do 25 de dezembro se baseia na tradição de que o dia da da crucificação de Jesus (25 de março, pelo calendário da Igreja Católica) seria o mesmo da sua concepção. Exatamente nove meses depois, viria o Natal.

Uma terceira explicação para a data utiliza informações sobre a concepção de João Batista. O episódio sugere que o evento aconteceu quando Zacarias estava cumprindo seus deveres sacerdotais na festa dos Tabernáculos. É possível saber, com base em calendários fornecidos no livro de Crônicas, a data aproximada desse evento. O Evangelho de Lucas mostra que, quando o anjo anunciou a Maria a concepção de Jesus, Isabel estava no sexto mês de gestação. Feitas as contas, o resultado seria próximo da data em que o Natal é comemorado.

Embora seja difícil bater o martelo sobre a data exata do nascimento de Jesus, há sólidos indícios de que o 25 de dezembro remonta a uma tradição antiga, anterior à adoção do Cristianismo como religião oficial do Império Romano.

Jesus era palestino?

Nos últimos meses, o conflito entre Israel e o Hamas aumentou a frequência de informações distorcidas sobre as origens de Jesus Cristo.

Uma delas, a de que era um palestino. A afirmação se baseia no fato de que a cidade de Belém hoje é parte do território da Palestina. Mas usar isso para apagar a identidade judaica de Jesus é um anacronismo.

Belém, historicamente, pertencia ao Reino de Judá — de onde vem a própria palavra “judeu”. A genealogia de Jesus atesta a origem judaica dele. Jesus descende do Rei Davi, que, assim como ele, era de Belém. A cidade também abriga o túmulo de Raquel, esposa de Jacó.

Além disso, Jesus foi apresentado no templo quando bebê, como estabeleciam os costumes judaicos, e frequentava sinagogas.

A confusão se deve ao fato de que “Palestina” é um termo de sentido ambíguo. Originalmente, este era simplesmente o nome dado pelos romanos à província imperial que incluía o atual Estado de Israel (e era habitado pelos judeus na época de Cristo). Mas, obviamente, a Palestina moderna não existia. Muito menos o Islamismo, que surgiu apenas no século 7.

Quem é Papai Noel

Crentes e descrentes por vezes concordam em uma coisa sobre o Natal: que a figura de Papai Noel é intrusa na festa; um símbolo de como a festividade se tornou uma data comercial.

Mas Papai Noel era um cristão. A figura tem origem em São Nicolau, que viveu em uma comunidade grega (na atual Turquia). Fora os protagonistas da Bíblia, ele é uma das poucas figuras reverenciado de alguma forma pelas principais tradições do Cristianismo — ortodoxos, católicos e protestantes.

Na Holanda, em especial, São Nicolau é uma figura extremamente popular. Segundo tradição holandesa, ele lançou moedas na chaminé de uma casa para ajudar três moças pobres a se casar. O dia dele é celebrado também em dezembro — dia 6 em algumas localidades como o Brasil e dia 5 nos Países Baixos. Na Holanda, gravuras do século 16 mostram São Nicolau (sem barba), com uma túnica vermelha e um chapéu eclesiástico. Ele também carrega um bastão.

É provável que a força dessa tradição também tenha a ver com o yule, um feriado dos povos germânicos celebrado em dezembro.

Seja como for, os holandeses levaram a tradição à colônia de Nova Amsterdã, atual Nova York, no século 17. A Coca-Cola fez algumas adaptações na célebre peça publicitária a quem se atribui a gênese do Papai Noel moderno, em 1931. Mas a verdade é que os elementos essenciais — a barba, o gorro e a capa vermelha existiam muito tempo antes. A fábrica de refrigerantes não inventou o Papai Noel.

“As roupas de Papai Noel na verdade são os paramentos litúrgicos de São Nicolau. Ele organizava uma grande festa no Natal e dava pão a todas as crianças (e também adultos) no dia de Natal. A tradição foi um pouco distorcida, mas conserva o espírito de amor, paz e generosidade que é próprio do Natal”, explica o padre Rodrigo Hurtado, Diretor do Instituto Católico de Liderança.

Papai Noel chegou antes do samba

O Natal tradicional brasileiro consistia em ir à missa à meia-noite e cear em seguida. Entre um evento e outro, os sinos tocavam e ouviam-se cânticos pelas ruas.

Nesse sentido, o Papai Noel não faz parte dos festejos tradicionais. Mas também é verdade que o Papai Noel tem mais tempo de Brasil do que algumas tradições brasileiras.

A música sertaneja ganhou forma na década de 1910. O samba carioca foi inventado na década de 1920. O Papai Noel começou a aparecer no Brasil ainda no século 19.

Havia algumas variações no nome (o uso de “Papai Natal” ou “Papá Noel” era comum). A história era praticamente a mesma, com pequenas diferenças. Ele carregava um cesto em vez de um saco. Não está claro se ele usava renas e trenó como meio de transporte.

Em 1900, o jornal A Imprensa, chefiado por Ruy Barbosa, publicou uma crônica descrevendo, de forma criativa, como o Papai Noel é o próprio Cristo disfarçado, com “barbas brancas” e uma “cabeleira de neve” que deixa presentes para as crianças no dia de Natal. “Não há criança que não tenha sonhado com ele esta noite”, dizia o texto.

Em 1910, o Cinema Ouvidor, no Rio de Janeiro, anunciava a exibição de “Uma Carta ao Papai Natal”, um filme mudo francês feito em 1908.

E o costume não se limitava aos grandes centros urbanos. Já em 1911, a Folha do Acre descrevia as crianças vão deitar “deixando os sapatinhos bem a descoberto para neles, de manhã, encontrar presentezinhos de brinquedos, que lhes deixa, pela madrugada, o Papai Natal”.

Em 1931, as Crianças do Clube das Perdizes, em São Paulo, receberam uma visita do Papai Noel — e posaram para uma foto publicada na revista A Cigarra. A revista apresenta “Papá Noel” sem maiores explicações, o que indica que o público paulistano já estava familiarizado com a figura.

As menções a Papai Noel começam a ganhar volume nos anos 1950. Em 1954, ele já estava saltando de paraquedas sobre o Lago do Ibirapuera, em São Paulo.

Crianças ao lado do Papai Noel no Clube das Perdizes, em São Paulo, em 1931| Divulgação/Biblioteca Nacional

Papai Noel ou Papai Natal?

O costume da árvore de Natal chegou ao Brasil junto com Papai Noel. Em 1888, a loja de Guilherme Witte em São Paulo já anunciava ter recebido “objectos de phantasia de alta novidade”, ótimos presentes “para os dias de Natal, Anno Bom e Reis”. Na mesma página, outro anúncio menciona enfeites para árvores de Natal. Em 1902, noticia-se uma árvore de Natal no Jardim da Luz. Em 1904, o Club Concórdia de Mogi Mirim já anunciava a instalação de um “belo pinheiro” como árvore de Natal.

A incorporação de novos elementos ao Natal brasileiro não se deu sem queixas. Em 1907, o cronista João do Rio reclamava que o reizado e o “bumba, meu boi”, estavam sendo substituídos pelo Papai Noel e a árvore de Natal. Em 1923, na revista A Cigarra, Riscalla Asturian chamou o Papai Noel de “feio e vagabundo velho europeu”.

O uso de “Papai Noel” em vez de “Pai Natal”, como dizem os portugueses, indica que a figura chegou ao Brasil mais por influência francesa do que americana. Os Estados Unidos só se tornariam uma superpotência cultural depois da Segunda Guerra.

Ainda 1925, no jornal O Dia, Plácido Barbosa dizia que “nas classes se dizente cultas e nos jornais só se ouve falar em Papai Noel”. Ele faz um apelo para que se use o nome correto em português, que seria “Pai Natal” ou “Papai Natal”. Já àquela altura, quase um século atrás, Barbosa não tinha esperanças de ser possível abolir o uso da figura — apenas o nome afrancesado. Sinal de que Papai Noel havia criado raízes no Brasil. A Coca-Cola só chegaria ao país dezesseis anos depois.

Tradições à parte, o padre Rodrigo Hurtado diz que os efeitos do Natal são palpáveis. A percentagem de fiéis que assiste à missa, por exemplo, triplica. “É a missa mais concorrida do ano. Mais do que a de Páscoa”, ele diz. E a mensagem de Natal, afirma o padre, chega também aos que não frequentam uma igreja: “Mesmo que as pessoas não assistam à missa, o espírito do Natal está por toda a parte. São os grandes presentes que Deus nos deu no Natal: a paz, a esperança, o perdão, o amor.”

GAZETA DO POVO

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