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‘Harmonização facial pode causar cegueira, técnica deve ser feita com médico que saiba resolver complicações’ diz oftalmologista

Em entrevista ao GLOBO, o médico Francisco Max Damico, professor da Faculdade de Medicina da USP, fala também do aumento nos casos de miopia, doença da retina e como usar lentes de contato corretamente

O número de doenças que afetam a visão, como miopia, catarata e degeneração macular está aumentando no mundo todo, por diferentes motivos. O aumento dos casos de miopia, por exemplo, tem sido observado entre crianças e foi considerado um dos problemas de saúde pública que mais crescem no mundo pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A tendência está associada principalmente aos hábitos de vida.

Outro comportamento que coloca em risco a saúde ocular são procedimentos estéticos, como botox, preenchimento e até mesmo extensão de cílios. Por outro lado, condições como catarata e degeneração macular podem levar à cegueira e estão associadas ao envelhecimento da população.

Em entrevista ao GLOBO, o oftalmologista Francisco Max Damico, um dos mais respeitados do país e professor livre docente da Faculdade de Medicina da USP, explica as causas desses problemas, como preveni-los e tratá-los.

Oftalmologista Francisco Max Damico explica as causas do aumento do número de doenças que afetam a visão — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo
Oftalmologista Francisco Max Damico explica as causas do aumento do número de doenças que afetam a visão — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

Estudos mostram que o número de casos de miopia está aumentado, isso era previsível?

Não porque isso está acontecendo por novos hábitos de vida. O aumento não está associado à radiação das telas do celular e do computador, como muitos pacientes pensam. Mas sim ao hábito de ver as coisas de perto por muito mais tempo, seja celular, computador, iPad ou até mesmo um livro. Os dados mostram que no começo dos anos 2000, cerca de 25% da população era míope. Hoje, em torno de 35%. A estimativa é de que em 2050, 50% da população seja míope. Além disso, o grau de miopia da população também está aumentado. Existem estudos, principalmente, na China, onde a população é muito grande, que mostram que as crianças que ficam mais tempo em ambiente fechado, vendo de perto, têm mais miopia e com grau mais alto do que quem fica no ambiente mais aberto. Em outras palavras, a diferença não é o ambiente em si e sim o fato de que quem está em um ambiente fechado, usa mais a visão de perto e quem está em ambiente aberto, a de longe.

A cirurgia para correção de miopia é segura e eficaz?

A cirurgia é uma excelente opção e supersegura, embora, como qualquer procedimento, tenha riscos. De modo geral, as possíveis complicações são tratáveis. Então eu não tenho medo nenhum de indicar a cirurgia. Tem dois fatores fundamentais para o sucesso do procedimento. O primeiro é a pessoa querer fazer. Eu nunca ofereço cirurgia refrativa para um paciente. O segundo fator é uma avaliação pré-operatória bem-feita. Existe uma série de exames que precisam ser feitos antes da cirurgia para planejar a melhor técnica para aquele paciente e para ver se aquele olho é um bom candidato a cirurgia. Quem tem a córnea muito fina, por exemplo, não deve operar porque isso gera outro problema, chamado ceratocone, que é incorrigível e que tem um tratamento chato com uso de lente de contato dura e, em último caso, transplante de córnea. No passado, as taxas de complicações eram mais altas não por causa da técnica eu dos aparelhos cirúrgicos, mas porque não existiam tantos recursos para a avaliação pré-operatória. Outro ponto importante a ser mencionado é que quando esse paciente tiver por volta dos 40-45 anos, ele vai ter de usar óculos de perto. Então o paciente precisa ser avisado disso.

Procedimentos estéticos, como botox e harmonização facial, podem afetar a saúde ocular ou isso é mito?

Sim, tudo o que é feito perto do olho, pode comprometê-lo, com complicações definitivas ou temporárias. Por exemplo, se o botox for aplicado em uma quantidade muito grande, a pessoa perde a sustentação da pálpebra, o olho não consegue fechar direito e fica seco. A vantagem é que o Botox tem um tempo de ação definido e esse problema melhora conforme sua ação diminui. Mais grave do que isso são injeções de substâncias para harmonização facial, que podem causar rompimento de vasos sanguíneos na pálpebra ou perto do olho, embolia nas artérias que irrigam o olho e, consequentemente, cegueira. Então, o que recomendamos é fazer esse tipo de procedimento com um médico que esteja ciente das possíveis complicações e, principalmente, que saiba resolver essas complicações, se elas aparecerem.

Muita gente não gosta de lente multifocal devido à dificuldade de adaptação. O senhor recomenda o uso esse tipo de óculos?

Essa história de que o multifocal é difícil de se adaptar surgiu há muito tempo, quando a qualidade das lentes não era tão boa quanto hoje. Com as lentes atuais, que são moldadas por computador etc, é muito fácil se adaptar. Eu coloquei óculos multifocal pela primeira vez aos 49 anos e me adaptei na hora. Mas é preciso explicar que existem várias faixas de preço de lente multifocal e com isso varia também o desenho do grau na lente e, portanto, a facilidade de adaptação. Se você quer comprar o multifocal mais barato, tudo bem, ele pode te servir. Mas você pode ter mais dificuldade para se acostumar.

As lentes de contato são de fato uma boa alternativa aos óculos?

Lente de contato é uma excelente arma, mas é essencial ter responsabilidade. Não dormir com a lente é um ponto importante. Também precisa sempre higienizar as mãos antes de manipulá-las e fazer o uso correto, respeitando o tempo de uso de cada tipo e seu armazenamento correto. Por exemplo, lentes de uso semanal, quinzenal ou mensal devem sempre ser guardadas no estojo após retiradas. Se a lente estiver incomodando e a pessoa não tiver o estojinho, a lente deve ser descartada. É melhor perder a lente que o olho. As complicações podem ser graves, como úlcera de córnea, que é infecção difícil de tratar e pode deixar a visão definitivamente embaçada. Por isso, recomendamos o uso de lente para adolescentes a partir dos 12 anos de idade, desde que seja responsável para isso.

Qual é o risco de dormir com lente ou usar mais tempo que o indicado?

A lente de contato é gelatinosa e precisa de água para se manter e hidratada. Para conseguir isso, ela puxa a água do olho, que é a lágrima. Quando isso acontece, não sobra muito para o olho, ele começa a ressecar e aumenta o risco de infecção. Além disso, mesmo com a limpeza e armazenamentos corretos, as lentes vão acumulando impurezas que impedem que o oxigênio do ar chegue nos olhos e os olhos precisam de oxigênio. A falta de oxigênio também é o principal motivo para ser contraindicado dormir de lente. Cerca de 80% do oxigênio que a córnea recebe vem do ar e 20% vem dissolvido na lágrima. Quando a pessoa coloca lente de contato, ela já não recebe os 80% que deveriam vir do ar nem os 20% da lágrima porque a lente “rouba” uma parte disso. Ao dormir, as pálpebras fecham e diminui mais ainda a quantidade de oxigênio que a córnea recebe. O olho vive um regime de hipóxia, que é a falta de oxigênio, durante o sono. Em condições normais, isso não traz problemas. Mas a presença da lente de contato durante esse período aumenta o risco de complicações.

Glaucoma, catarata e degeneração macular também estão aumentando. É o estilo de vida?

Essas doenças crescem porque estão associadas ao envelhecimento e o número de idosos só cresce. Entre essas doenças, a catarata é mais comum e é 100% tratável. A cirurgia tem passado por uma melhora tão grande nos equipamentos que hoje nós operamos os pacientes mais precocemente do que no passado. Os colírios funcionam para 90% dos pacientes. Também existem cirurgias, incluindo a que se faz há mais de 50 anos, que é meio agressiva, até a colocação de pequenos stents, de forma semelhante ao que se faz no coração. Já a degeneração macular é uma doença da retina da qual se fala cada vez mais porque existem remédios cada vez mais potentes e eficazes para controlar essa doença que também leva à cegueira.

Quais são as principais causas de cegueira?

Parece brincadeira, mas, segundo a ONU, a principal causa de baixa visão ou cegueira no mundo é a falta de óculos, cirurgia ou lente de contato, apesar de ser reversível. Outra causa importante é a catarata, em seguida vem o glaucoma, a degeneração macular e a retinopatia diabética, que é o acometimento do olho pelas alterações causadas pelo diabetes. Isso é uma coisa super séria e difícil de tratar. Mas como para as demais condições, nos últimos anos tem aparecido tratamentos novos que conseguem controlar a doença.

Qual é a indicação de check-up ocular?

A Academia Americana de Oftamologia recomenda que da adolescência até os 40 anos de idade, a avaliação seja feita a cada dois anos. A partir dos 40 anos, isso deve ser feito anualmente porque aumenta muito o risco de degeneração macular, glaucoma e catarata, doenças que quanto mais precoces forem diagnosticadas, melhor. Crianças devem ser avaliadas pelo menos uma vez por ano, dos 3 aos 8 anos de idade. Isso é importante porque quando nascemos, nosso sistema visual é imaturo. Uma criança com miopia, astigmatismo ou hipermetropia precisa ter essa condição corrigida para que seu olho se desenvolva adequadamente e o olho para de se desenvolver por volta dos 7-8 anos. Então esse é o prazo para tratar essas condições.

Lente para luz azul funciona?

Não existe comprovação científica confiável de que isso funcione. Todos os estudos que mostraram eficácia desse tipo de lente foram feitos em animais ou em cultura de células em laboratório. Outro ponto importante é que esses estudos não avaliam benefício para a saúde do olho e sim no ciclo de sono. A luz branca tem inúmeros comprimentos de onda e um deles é o azul. O comprimento de onda azul estimula um hormônio que prejudica a indução do sono. Essas lentes se propõem a barrar esse comprimento de onda azul, fazendo com que esse hormônio não seja estimulado. Mas ainda ninguém conseguiu provar que isso funciona em humanos. Além disso, a maioria dos aparelhos eletrônicos hoje tem uma forma de ajuste que a tela fica meio amarelada e deixa de emitir o comprimento de onda azul. O que as pessoas podem fazer é programa o celular para entrar nesse modo noturno a partir das 20h. É o que eu faço comigo.

Bebês devem ser levados ao oftalmologista?

O caso do retinoblastoma da filha do Tiago Leifert e da Daiana Garbin chamou a atenção para doenças oculares em ciranças pequenas. Essa é uma doença grave, mas relativamente rara. A criança pode tanto nascer com essa doença, como ela pode aparecer nos primeiros anos de vida. A avaliação no começo da vida seria importante para diagnosticar uma doença como essa, por exemplo. Se os pais puderem levar uma criança com 6 meses ou um ano no oftalmologista, seria ótimo. Mas a doença pode aparecer depois disso também. Então pode ser importante estar atento aos sinais que chamam atenção para o retinoblastoma. São eles: estrabismo – a criança fica com os olhinhos tortos – ou a ausência de reflexo vermelho em um dos olhos ao tirar uma foto da criança. Se esse reflexo aparecer nem apenas um dos olhos, é sinal de que os olhos estão um pouquinho desviados e é necessário procurar o médico para entender as causas disso. O mais comum é ser um estrabismo devido à fraqueza dos músculos que movimentam o olho. Mas também pode ser sinal de retinoblastoma.

O GLOBO

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