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“Dama do tráfico”: Documentos revelam que advogada e ONG eram financiadas pelo Comando Vermelho

A advogada Janira Rocha, ex-deputada estadual pelo PSOL-RJ, é citada em recibos bancários que indicam pagamentos feitos pela facção criminosa Comando Vermelho (CV). Os documentos, obtidos pelo jornal O Estado de São Paulo e publicados nesta terça (14), apontam que Janira teria sido remunerada pela facção.

Foi ela quem acompanhou Luciane Barbosa Farias, conhecida como “dama do tráfico amazonense” e esposa de um líder do CV, em reuniões com assessores do ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, conforme revelado na segunda (13). Ela também participou de reuniões com deputados como Guilherme Boulos (PSOL-SP) e André Janones (Avante-MG), circulou pelos corredores do Congresso Nacional e se reuniu com o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Embora o nome de Luciane não conste na agenda do ministério, apenas o de Janira, os documentos mostram que tanto a ONG presidida por ela – Liberdade do Amazonas – como a jurista receberam pagamentos de integrantes da facção.

Documentos revelam que Janira recebeu três transferências de Alexsandro B. Fonseca, identificado como “Brutinho” ou “Brutus”, um suposto contador do CV, totalizando R$ 23.654 dias antes da primeira reunião de Luciane com o secretário de Assuntos Legislativos do MJ, Elias Vaz, em março. O encontro foi solicitado por Janira, conforme afirmação do próprio secretário de Flávio Dino, comandante do ministério.

A contabilidade do CV mostra, ainda, despesas de R$ 22,5 mil da ONG em fevereiro, indicando que a entidade seria sustentada pela facção criminosa. As investigações apontam que Brutinho transferiu R$ 3 mil, R$ 5.645 e R$ 15 mil à organização, tendo como destinatário o CPF de Janira nos comprovantes.

Segundo os documentos apreendidos pela Polícia Civil, naquele mês, a organização criminosa bancou despesas de R$ 1,5 mil para aluguel de uma casa, R$ 7,2 mil para salários de advogadas e R$ 9 mil de salários de funcionários. Há, ainda, registros de transferências de R$ 12.562 e R$ 10 mil.

“Pelas imagens extraídas do celular, é possível afirmar que a facção CV financia todas as despesas da Associação, tais como: pagamentos de aluguel de casa, conta de água, conta de luz, internet, plano de chips, créditos de chip, contador, salários de assistente social, salários de advogadas, salários de funcionários, seguro conta, material de limpeza e papelaria, gasolina e passagem dos funcionários”, diz trecho do relatório da Polícia Civil.

Brutinho é apontado ainda como tesoureiro do Comando Vermelho nos municípios de Parintins, Nhamundá e Caruari, além de controlar uma espécie de “caixinha” de contribuição dos faccionados.

Facção do AM mandava dinheiro para “matriz” no RJ

A investigação da Polícia Civil do Amazonas teve início em dezembro de 2022, com a apreensão de um celular vinculado ao filho da “torre” do Comando Vermelho em Maués. O aparelho revelou detalhes da contabilidade da facção, incluindo pagamentos para a “matriz” no Rio de Janeiro. Em outubro de 2022, a arrecadação do CV no Amazonas foi de R$ 434,3 mil.

Uma tabulação feita pelos policiais aponta que, de novembro de 2022 a maio de 2023, o Comando Vermelho arrecadou R$ 3,1 milhões apenas no Amazonas. Deste montante, R$ 2,8 mil foram para pagamentos de despesas e R$ 251,1 mil constam como “sobras”. A facção levantou R$ 446 mil em média por mês no período.

Janira Rocha, eleita deputada estadual em 2010, enfrenta acusações passadas por contratar funcionários fantasmas. Sua ligação com o CV se soma a outras polêmicas, incluindo a atuação como diretora de Relações Institucionais do Instituto Anjos da Liberdade, ONG também suspeita de ser fachada para a facção criminosa.

Recentemente, Janira assumiu a defesa da ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, condenada pelo assassinato do marido. O caso levanta sérias questões sobre a relação entre autoridades, advogados e facções criminosas no Brasil.

Ministério diz que não tinha como saber dos pagamentos do CV

Em resposta, o Ministério da Justiça afirmou que o pedido de audiência foi feito pela Associação Nacional de Advocacia Criminal (Anacrim), da qual Janira faz parte, e que a situação da acompanhante – Luciane – era desconhecida. O secretário Elias Vaz esclareceu que a presidente da ONG falou sobre supostas irregularidades no sistema penitenciário na reunião de março.

O secretário alegou, ainda, que não tinha como saber de antemão dos pagamentos feitos pelo Comando Vermelho à advogada, e que seria um “absurdo” solicitar uma quebra de sigilo bancário ou informações de uma ex-deputada que solicitou uma audiência.

“Isso nunca aconteceu antes no Brasil. Além de absurdo, isso seria inconstitucional. (…) É óbvio que eu jamais poderia ter ciência disso no dia 14 de março. Reitero que tenho carreira política reconhecida e honesta, e não será um suposto erro administrativo que vai me macular”, afirmou Elias Vaz.

Já a Secretaria Nacional de Políticas Penais informou que as agendas dos responsáveis são “públicas e acessíveis a qualquer cidadão”, e que “qualquer pessoa pode receber atendimento mediante agendamento por meio dos canais da Ouvidoria Nacional dos Serviços Penais”.

A pasta alega, ainda, que a Diretoria de Inteligência “desempenha um papel relevante na segurança penitenciária e levantamento de informações”, mas não tem por atribuição “impedir o acesso de pessoas a prédios públicos”.

Pelas redes sociais ainda na segunda (13), Luciane se pronunciou e negou ter relações com o Comando Vermelho. “Não sou faccionada de nenhuma organização criminosa e venho, como inúmeras outras esposas e familiares, sendo criminalizada pelo fato de ser esposa de um detento”, afirmou.

“Não enxergo que pratico crime em pedir as reuniões em interlocução e nem que as autoridades, que estão cumprindo o papel institucional para o qual foram eleitas, nos receberam em diferentes instâncias em Brasília, possam ser criticadas e descredenciadas por isto”, disse nas redes sociais.

O marido de Luciane, conhecido como tio Patinhas, está preso desde dezembro do ano passado, após ter sido sentenciado à 31 anos de prisão. Ela também foi sentenciada, a 10 anos, por envolvimento com o CV e condenada por lavar dinheiro para a organização criminosa.

Porém, recorre em liberdade. “Que eu saiba, no Brasil, definido pela instância máxima da Justiça, uma pessoa só pode ser considerada criminosa após o trânsito em julgado”, argumentou na nota.

Luciane ainda cita como uma de suas pautas, a resolução do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada no último mês, que reconheceu “o estado inconstitucional de coisas do sistema carcerário”. Pela decisão do STF, a União e os estados terão o prazo de três anos para elaborar planos de enfrentamento aos problemas no sistema prisional.

“Que possamos discutir e contribuir no plano que será feito pelos governos até março de 2026”, disse.

Por Guilherme Grandi, na Gazeta do Povo

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