O brasileiro premiado por fazer ‘melhor pizza da Europa fora da Itália’
Hoje ele é sócio da Sartoria Panatieri, em Barcelona, na Espanha, que ficou em primeiro lugar no ranking do renomado guia italiano 50 Top Pizza 2023
Natural da pequena cidade de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, o gaúcho Rafael Panatieri decidiu que seria um grande cozinheiro aos 17 anos. Mas, naquela época, não poderia imaginar que 20 anos depois estaria à frente melhor pizzaria da Europa fora da Itália.
Hoje ele é sócio da Sartoria Panatieri, em Barcelona, na Espanha, que ficou em primeiro lugar no ranking do renomado guia italiano 50 Top Pizza 2023.
Aberta em 2018, essa pizzaria artesanal com filosofia sustentável já conta com duas unidades na cidade espanhola — e é resultado de uma jornada gastronômica que começou quando Rafael Panatieri ainda era garoto, em Rio Pardo.
De família de origem italiana, ele conta que teve contato com ingredientes e preparos mediterrâneos desde cedo. Foi sua avó, conhecida por reunir a família em grandes almoços, quem despertou sua paixão pela cozinha.
Antes de decidir ser chef, Rafael chegou a passar em um vestibular para estudar medicina veterinária. Ele lembra que, na época, ser cozinheiro não tinha o reconhecimento que tem hoje. Mas, mesmo diante das incertezas, ele teve a sorte de contar com o apoio da família para seguir adiante com seu sonho.
“O único chef que eu tinha como referência no Brasil era o Alex [Atala], mas, na época, a profissão não era bem vista”, diz ele à BBC News Brasil.
Após fazer um curso de cozinha no Senac no Rio Grande do Sul, Panatieri teve certeza de que esta seria sua carreira. Continuou então seus estudos no Centro Europeu de Curitiba e trabalhou em alguns dos melhores restaurantes de hotéis em Gramado.
Ele tinha 22 anos quando decidiu sair do país, e como já tinha documentos italianos, desembarcou primeiro em Milão. Após vencer a burocracia do país, já com o passaporte vermelho (europeu) em mãos, focou em conquistar seu espaço nas cozinhas europeias.
“Sabia que tinha que me esforçar em dobro por não estar em casa, e aprender rápido o idioma. Acredito que o meu caráter mais ‘sério’ me ajudou a ser respeitado em cada lugar”, conta o chef.
A esposa de Panatieri, Ana Carolina, se mudou para Europa seis meses depois. Farmacêutica, nunca havia trabalhado com hotelaria, mas conseguiu um trabalho como camareira na Itália. Foram quase quatro anos no país, e neste tempo o chef trabalhou em restaurantes da Sicília, Roma e Florença.
Em uma viagem de fim de ano, o casal se encantou com a cidade de Barcelona. Eles fizeram as malas, ou melhor, as duas mochilas que tinham, e se mudaram para lá. Segundo ele, o ambiente cosmopolita da cidade espanhola é mais aberto a estrangeiros, e a gastronomia, mais livre para inovações.
“Eu gosto muito da cozinha italiana pela base, pela tradição e pelo carinho que eles têm com a comida, mas, na época, com 25 anos, eu queria ter essa visão na Espanha da cozinha de criatividade.”
O maior representante desse movimento na época era o chef Ferran Adrià, e a gastronomia molecular desenvolvida no restaurante El Bulli. Panatieri conta que mandou diversos e-mails para conseguir um estágio com o chef, mas sem sucesso.
“Quando Ferran Adrià fechou o El Bulli [em 2011], já se começava a falar dos irmãos Roca. Então meu foco se transformou em conseguir trabalhar com eles”, afirma.
Criadores do triestrelado restaurante Celler de Can Roca, os irmãos Joan, Josep e Jordi receberam Rafael como parte da família. Durante os seis anos em que trabalhou com os Roca, o brasileiro passou de estagiário a chef do restaurante Roca Moo.
“Representar um restaurante estrelado é o sonho de muitos, por isso minha autocobrança era diária. O que ninguém conta é que se manter no pódio é mais difícil que chegar.”
Foi entre as panelas do Roca Moo que Panatieri conheceu em 2016 o espanhol Jorge Sastre, seu atual sócio na pizzaria. O madrileño foi seu sous chef (subchefe) — e os dois tinham uma sintonia que dispensava palavras.
Em 2018, eles abriram a primeira unidade da Sartoria Panatieri — uma pequena porta, de número 51, no charmoso bairro da Gràcia. Um espaço aconchegante com forno a lenha e jardim que viria a ser conhecido como a melhor pizzaria da Europa.
“Eu sempre sonhei em ter uma pizzaria, mas minhas experiências em restaurantes estrelados me levaram para outro caminho”, conta o sócio brasileiro.
O estabelecimento premiado se destaca por uma filosofia de respeito aos ingredientes locais e práticas sustentáveis.
“A ideia sempre foi criar com ingredientes locais. Os produtos italianos são excelentes, mas decidimos olhar para nosso entorno com carinho”, diz Panatieri.
Em 2021, os sócios abriram a segunda unidade, desta vez no agitado distrito de Eixample. Os clientes triplicaram — mas Panatieri e Sastre decidiram seguir adotando a mesma filosofia artesanal e sustentável.
Chegar ao Olimpo do guia italiano 50 Top Pizza 2023 é resultado de um trabalho que vai muito além da massa e do recheio. Os rigorosos critérios do guia também avaliam a proposta do restaurante, o ambiente e a experiência do cliente. O segundo lugar ficou com a pizzaria Bæst, em Copenhagen; e o terceiro, com a 50 Kalò, do chef Ciro Salvo, em Londres.
“Acreditávamos estar entre os três primeiros, mas ser reconhecidos como melhor pizzaria da Europa fora da Itália foi uma ótima surpresa”, diz Panatieri.
Ele conta que antes da Sartoria nunca havia feito pizzas, além daquelas que testava em casa. Mas a passagem por cozinhas renomadas o ajudou a acelerar esse processo. Juntos, os sócios estudaram diferentes preparos, e, após diversas provas e erros, encontraram a fórmula perfeita.
“Eu queria que a nossa pizza fosse um prato completo, mas com a massa no lugar da porcelana”, revela.
O conceito “from farm to pizza” (da fazenda à pizza), criado pela Sartoria Panatieri, preza pela valorização dos ingredientes e também dos produtores locais. Segundo os sócios, o segredo do sucesso da Sartoria não está no forno a lenha — mas, sim, nas zonas rurais que cercam a cidade de Barcelona.
“Essa filosofia significa tudo para nós. É a proximidade com os produtores que nos leva a conseguir os melhores ingredientes, no melhor momento do ano”, revela Panatieri.
Um exemplo são os embutidos artesanais da fazenda ecológica Dpagès, em Lleida, na Catalunha. Para a fabricação da mortadela, do fuet e da sobrasada, são utilizados porcos Gascón, uma raça ibérica em perigo de extinção que a fazenda trabalha para recuperar.
Já a massa das pizzas é feita com farinha ecológica — fermentada por mais de 70 horas.
“O trigo que utilizamos vem dos moinhos de pedra da fazenda Cal Pauet, em Solsona. É mais caro que o industrial, mas é o que mais se encaixou na nossa massa”, afirma.
Releitura de um clássico: a melhor pizza do ano de 2023
A pizza que leva molho de tomates cereja assados, mozarella e molho holandês de manjericão foi eleita, também pelo guia italiano, a melhor pizza do ano de 2023.
“Quando se fala em pizza, a Margherita é a primeira que vem em mente. Minha ideia foi fazer ela de outra maneira, mas sem faltar com o respeito”, explica Panatieri.
Segundo o chef, um dos desafios de utilizar apenas ingredientes locais foi o de substituir o tradicional tomate italiano San Marzano, cultivado entre Nápoles e Salerno.
Como solução, Rafael resgatou uma das lembranças mais fortes que guarda do Brasil: sua mãe e avó transformando tomates da região de Rio Pardo em molhos deliciosos.
Para chegar no equilíbrio esperado entre acidez e dulçor, o chef desenvolveu então uma receita com tomates cereja locais assados no forno a lenha — e para finalizar a releitura, substituiu o manjericão in natura por um molho holandês com as folhas aromáticas.