Médico alerta sobre os males causados pelo cigarro eletrônico, o ‘vape’
Estudos científicos mostram que o uso do dispositivo está ligado ao surgimento de doenças respiratórias, orais e gastrointestinais, entre outras, além de causar dependência
Aspecto moderno, cores vivas e sabores artificiais para conquistar consumidores. Esta é a proposta dos “vapes”, os cigarros eletrônicos. Visto inicialmente como uma alternativa menos maléfica do que o cigarro tradicional, hoje já se sabe que esses dispositivos — que ganham cada vez mais adeptos, principalmente entre os jovens — representam um grande risco para saúde.
E não é só quem usa que paga o pato. Estudo realizado na University of Southern California, nos Estados Unidos, mostra que o aumento do fumo passivo por conta do cigarro eletrônico elevou o risco de sintomas de bronquite em 40% dos adultos jovens, e falta de ar em 53%. Recentemente, representantes de quase 50 entidades médicas brasileiras divulgaram um documento para alertar sobre os problemas de saúde secundários relacionados ao uso dos “vapes”.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou relatório que mantém a proibição de venda dos dispositivos eletrônicos fumáveis (DEFs) no Brasil. Para o médico Gleison Guimarães, membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, a importância de se manter a proibição se baseia também no fato de que os cigarros eletrônicos não podem reverter décadas de esforços da política de controle ao tabaco em nosso país.
— Estudos científicos mostram que o uso dos DEFs, tanto agudo como crônico, está diretamente ligado ao surgimento de várias doenças respiratórias e orais, gastrointestinais, entre outras, além de causar dependência e estimular o uso dos cigarros convencionais. Os fumantes de cigarro eletrônico têm de duas a quatro vezes mais chances de virarem fumantes de cigarros convencionais. Além disso, o dispositivo aumenta em cinco vezes a chance de jovens ou adolescentes se tornarem usuários de maconha — afirma Guimarães, especialista em pneumologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), alertando que, ao contrário do que muitos acreditam, o aerossol não é um vapor de água. — Há cerca de 2 mil produtos químicos que são inalados com o uso dos DEFs.
Proibição na Austrália
Apesar de o vape ser utilizado em outros países como alternativa para o abandono do cigarro convencional, muitos jovens que nunca fumaram passaram a usá-lo e estabeleceram dependência química, física e emocional do produto. Alguns governos, como o da Austrália, já estão enxergando os riscos na prática. No início do mês, o país baniu a importação e venda de todos os cigarros eletrônicos, independentemente de serem rotulados como contendo nicotina ou não. A determinação também proíbe todos os vapes descartáveis de uso único e impõe restrições aos sabores, mudança para embalagens simples e redução na concentração e volume de nicotina permitidos nos dispositivos.
Para Guimarães, iniciativas como essa são extremamente importantes, já que o consumo por adolescentes aumentou depois de 2018 e se intensificou muito na pandemia:
— Isso aconteceu principalmente porque começaram a usar o sal de nicotina no vape, que induz muito mais a dependência, ao invés da nicotina livre. Outro ponto foram os dispositivos com alta carga de nicotina, que conquistam cada vez mais usuários. Alguns chegam a ter o equivalente a 100 cigarros. E reconhecemos que quanto maior a dose, maior é a dependência. O uso de sabores adocicados e o marketing em redes sociais aumentam o apelo para adolescentes.
O médico relata o caso de um paciente adolescente que o impactou negativamente.
— Ele tem 16 anos e veio com a mãe para o nosso encontro terapêutico. Vinha fumando DEF há pouco mais de cinco meses e durante a nossa conversa apresentava um tremor de mãos, as unhas roídas e seguia levando os dedos à boca. Tinha pensamento acelerado e era extremamente ansioso. Ele chegou a usar uma média de 40mg de nicotina por dia, o que podemos comparar com a carga de 40 cigarros tradicionais. Iniciamos uma medicação oral de controle, nicotina em goma e em adesivo sobre a pele. Até a última vez que nos falamos, no mês passado, já estava sem medicação há mais de três meses — conta Guimarães, que chama atenção para o grande número de usuários dependentes de vapes. — Impressiona o vulto e a gravidade da dependência que tenho visto. Teremos sérios problemas de saúde, muitos casos de Evali (lesão pulmonar induzida pelo uso de cigarro eletrônico) e doença pulmonar bilateral.