A batalha diária das mulheres anônimas que são a base do sustento da família
Reportagem ouviu histórias de mulheres que batalham, dia após dia, para trazer o sustento para suas famílias e realizar seus sonhos
As mulheres compõem 52,2% da população do Distrito Federal e, sem dúvida, fazem a diferença em diversas áreas da sociedade. E isso não muda quando se trata do peso da representatividade delas na economia da capital do país. Segundo dados do estudo Mulheres e Desigualdades de Gênero em Tempos de Pandemia, 77,9% desse público está no mercado de trabalho do DF. Mas, por trás dos números, há histórias de mulheres que trabalham, dia após dia, para trazer o sustento para suas famílias e tornar seus sonhos realidade.
É o caso de Maria da Conceição dos Santos, 55 anos. Ela trabalha no Setor Comercial Sul como ambulante desde 1998 e conta que construiu toda a sua vida com esse trabalho. “Vim do Piauí para Brasília quando tinha 15 anos, com meu esposo — casei muito cedo. Ele já tinha um trabalho no DF, também como ambulante, e foi mais fácil me colocar no mercado por conta disso”, conta. A moradora do P Sul afirma que, graças ao seu trabalho, conseguiu criar o único filho. “Atualmente, ele é formado em administração — trabalhando na área —, casado e está vivendo bem”, comemora Maria da Conceição.
Mesmo vendo tudo o que construiu, a ambulante revela que ainda tem sonhos e planos para o futuro. “Não tenho casa própria, moro de aluguel. Meu sonho é esse e espero conquistá-lo antes de partir. Estou juntando as economias, junto ao meu marido, e tenho fé em Deus que vou conseguir realizar”, torce. “Tive até algumas oportunidades para isso, mas de maneira errada, por meio de invasão. Só que não quero isso. Acredito que tudo que você conquista tem que ser com o seu suor”, complementa.
Mas Conceição aponta que nem tudo são flores quando se trata da sua profissão. “Quando comecei aqui no SCS, era outra história. Não tinha tantos comerciantes e, por isso, o que você vendia em um dia dava para sustentar o resto da semana, caso não quisesse mais trabalhar”, recorda. “Hoje em dia é que as coisas estão mais difíceis. É preciso ‘ralar’ todo dia para conseguir manter a casa. Fico aqui de segunda a sexta e, aos sábados e domingos, rodamos por algumas feiras”, explica.
Sobre ser uma mulher trabalhadora da base, ela acredita que o tratamento dado a esse público está no caminho certo, pois as mulheres estão ganhando bastante espaço. Porém, a ambulante aponta que mudanças ainda são necessárias. “Existe muita discriminação, principalmente com as mulheres negras, que é o meu caso”, comenta. “Nunca passei por um momento como esse, mas já presenciei diversas situações constrangedoras, principalmente quando estávamos atrás da legalização para trabalhar como ambulantes aqui no SCS. A gente ouvia muita coisa, em muitos lugares”, lembra.
Vencendo o assédio
Outra que sabe as dificuldades de ser uma trabalhadora da base é a diarista Maria de Lourde Braz, 46. Ela diz que perdeu a conta de quantas vezes passou por situações constrangedoras. “Quando trabalhamos nessa área de casa de família acontece. Comecei a trabalhar com 17 anos. Hoje eu tenho 43. Já fui muito assediada. Por exemplo, o dono da casa querer me agarrar, me oferecer coisas para ter relação sexual”, detalha.
Maria de Lourde fala que, na maioria das vezes, lidava com a situação fugindo. “Quando aconteceu comigo no trabalho, tive que fugir para não acontecer mais. Pedi para sair e não voltei mais. Não tinha muitas informações e fiquei com medo de denunciar”, lamenta. “Quando meu marido ficou sabendo, ficou muito triste, ao saber que passamos por esse tipo de coisa quando apenas queremos trabalhar”, ressalta a diarista.
Atualmente, a moradora de Águas Lindas (GO) vem ao DF de segunda a sexta para ajudar no sustento de sua casa — ela mora com o esposo e quatro filhos. “Trabalho em Vicente Pires, Águas Claras e às vezes no Noroeste e em Taguatinga”, detalha. A faxineira afirma que, com o dinheiro ganho, consegue suprir as despesas, mas com aperto. “São três crianças. Temos que pagar a creche e a escola deles”, comenta.
De acordo com Maria de Lourde, são as crianças que dão força para ela continuar, depois de tudo que passou. “É a segurança dos meus filhos. Terem o que comer, a escola deles. De todos os dias da minha vida, minha determinação e motivação para trabalhar é cuidar deles”, afirma. “Se eu pudesse dizer algo para mulheres que passam por dificuldades, é que nunca desistam e não se calem. Somos muito guerreiras. Lutamos pelos nossos sonhos e ideais. Muitas trabalham para alcançar um objetivo ou dar sustento para a própria família. Em caso de violência ou assédio, só não se cale, quanto mais ficamos em silêncio, mais somos agredidas”, desabafa.
Sonhadora
Uma dessas guerreiras, citadas pela diarista, é a moradora de Taguatinga Sul Katia Lucia Portilho, 31. Desde 2007 no DF, ela conta que veio para cá em busca de oportunidades melhores. “Tinha 15 anos quando uma tia por parte de mãe me convidou para vir a Brasília para estudar e me desenvolver. Meu pai é analfabeto, mas sempre me aconselhou a buscar os estudos”, lembra.
Recepcionista em um consultório de Águas Claras e vigilante na Cidade do Automóvel, Katia afirma ter uma rotina acelerada, mas da qual não se arrepende. “Quando vou para o primeiro emprego, acordo às 6h. Para o segundo, levanto ainda mais cedo, às 5h. Geralmente, vou dormir às 23h, todos os dias”, detalha, com orgulho do ofício.
Vinda de Jalapão, no Tocantins, Katia Lucia conta que a vida no interior é muito difícil. “Meu pai é aposentado como lavrador, ganha somente um salário mínimo e toma medicação por causa de um problema de saúde. Minha mãe trabalha e, atualmente, também ganha um salário mínimo e toma remédio controlado. Até mesmo por isso que eu mantenho esse ritmo acelerado, para ajudá-los”, revela.
Mesmo com o dia a dia atarefado, ela comenta que ainda tem planos para o futuro. “Pretendo voltar a estudar para concurso público — parei por conta da pandemia — e tenho o sonho de trabalhar na minha área (tecnóloga em radiologia), pois gosto muito de saúde”, revela.