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Movimentos feitos por bebês são “treino” para controlar músculos

Ao mexer braços, pernas e cabeça, recém-nascidos começam a desenvolver a habilidade de controlar músculos e movimentos, mostra um trabalho japonês. Descoberta pode ajudar na identificação de evoluções atípicas, como na paralisia cerebral

Ao observar o dia a dia de bebês, é fácil perceber que eles dificilmente ficam parados. A maioria, antes mesmo de nascer, já “chuta a barriga” da grávida. Depois, espera-se que os recém-nascidos não parem, mexendo braços, pernas e cabeça aparentemente sem objetivo ou estímulo externo. Uma pesquisa divulgada na Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas) mostra que esses “movimentos espontâneos” não são aleatórios. Eles dão início à capacidade desenvolvida pelos humanos de controlar músculos e movimentos.

“Nossos resultados sugerem que os movimentos espontâneos neonatais e infantis, que parecem não ter propósito ou recompensa explícita, contribuem para o desenvolvimento sensório-motor fundamental”, enfatiza Hoshinori Kanazawa, professor assistente do projeto, liderado pela Universidade de Tóquio. As descobertas, segundo os autores, poderão ajudar em investigações mais profundas sobre a origem do movimento humano, bem como no diagnóstico precoce de distúrbios do desenvolvimento, como a paralisia cerebral.

Segundo Kanazawa, os resultados indicam que, “movidos pela curiosidade”, os bebês humanos “podem adquirir novas experiências sensório-motoras por meio de movimentos exploratórios do corpo”. Essa habilidade foi denominada pelo grupo de perambulação sensório-motora, que combina o comando motor com feedback sensorial. Tiago Leite, pediatra do Hospital da Criança de Brasília, explica que esse processo forma uma espécie de “memória muscular”.

“Os pesquisadores viram que, mesmo de maneira involuntária, o chamado comportamento exploratório aleatório gera bases neuronais e motoras para a criança desenvolver movimentos mais coordenados”, afirma. “Isso dá condições neurológicas tanto para o desenvolvimento sensorial quanto para a coordenação motora para, então, atingir movimentos mais complexos, como pegar em pinça e levar objetos à boca.”

Padrões

Como o modelo computacional identificou padrões de interação muscular, há a possibilidade de essas informações ajudarem a acusar um maior risco de um desenvolvimento fora do esperado. Segundo Kanazawa, estudos clínicos anteriores forneceram evidências de que movimentos atípicos executados por bebês podem ser considerados biomarcadores preditivos de distúrbios.

A maioria dos estudos, porém, focou em características cinemáticas — as atividades musculares que causam movimento em uma articulação ou parte do corpo. “Nosso procedimento, que se concentra nas interações entre sinais sensório-motores musculares, seria potencialmente valioso em pesquisas clínicas com o objetivo de utilizar essas informações como biomarcadores prognósticos”, aposta.

O autor lembra que a equipe ainda não estabeleceu um uso clínico direto do método criado, mas há algumas aplicações cogitadas. “Se pudermos entender melhor esses movimentos aparentemente aleatórios e como eles estão envolvidos no desenvolvimento humano inicial, também podemos identificar indicadores precoces de certos distúrbios, como a paralisia cerebral”, indicam os autores do estudo.

Surpresa

Para chegar às conclusões, os pesquisadores usaram uma tecnologia de captura de movimento. Com ela, registraram, durante 60 segundos, os movimentos articulares de 12 recém-nascidos com menos de 10 dias de nascimento e de 10 bebês com cerca 3 meses de idade. Em seguida, estimaram a atividade muscular dos bebês e os sinais de entrada sensorial com a ajuda de um modelo de computador musculoesquelético de corpo inteiro, com escala infantil. Por fim, usaram algoritmos de computador para analisar as características espaço-temporais da interação entre os sinais de entrada e a atividade muscular.

Os resultados surpreenderam o grupo. “Tem sido comumente assumido que o desenvolvimento do sistema sensório-motor geralmente depende da ocorrência de interações sensório-motoras repetidas, o que significa que, quanto mais você faz a mesma ação, mais provável é que você aprenda e se lembre dela. No entanto, nossos resultados implicam que os bebês desenvolvem o próprio sistema sensório-motor com base no comportamento exploratório ou na curiosidade, de modo que não repetem apenas a mesma ação, mas uma variedade delas”, compara Kanazawa.

Como próxima etapa, o grupo planeja avaliar como a perambulação sensório-motora afeta o desenvolvimento posterior dos bebês, como andar e alcançar objetos, juntamente com comportamentos mais complexos e funções cognitivas superiores. “Minha formação original é em reabilitação infantil. Meu grande objetivo é entender os mecanismos subjacentes do desenvolvimento motor inicial e encontrar conhecimento que ajude a promover o desenvolvimento do bebê”, diz o pesquisador.

Palavra do especialista

“A conclusão de que movimentos de recém-nascidos podem influenciar no sistema motor mais à frente pode parecer óbvia, mas conseguir comprovar cientificamente algo ‘óbvio’ nessa magnitude é interessante. Há considerações em relação à metodologia o tempo de captação por movimento é curto para tirar uma conclusão dessa. Além disso, a quantidade de sujeitos estudados foi muito pequena em ambos os grupos. Os bebês avaliados eram iguais entre si, mas os especialistas não consideraram que, a médio prazo, o desenvolvimento de meninas e meninos pode ser diferente. Então, houve uma desigualdade nessa questão de gênero. Acredito que o artigo provoca a necessidade de um estudo maior, em que ocorra o acompanhamento dessas crianças. Ou seja, esses indivíduos que foram analisados quando recém-nascidos devem ser avaliados também com 3 meses, 6 meses, 1 ano. Ficou faltando um controle de crianças que tenham alguma limitação para observar se o movimento aleatório também influencia no futuro.”
Tiago Leite, pediatra do Hospital da Criança de Brasília

Via: Correio Braziliense

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