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Oscar choca com tapa de Will Smith e premia ‘No Ritmo do Coração’

Oscar deste ano foi marcado por uma corrida acirrada, uma cerimônia cheia de mudanças

O Oscar deste ano foi marcado por uma corrida acirrada, uma cerimônia cheia de mudanças, prêmios que celebraram a diversidade e, pelo incrível que pareça, uma agressão.

Se há cinco anos a troca de cartões jogou para escanteio a vitória de “Moonlight”, nesta edição um tapa que Will Smith deu em Chris Rock provavelmente entrará para a história como o grande momento da cerimônia -e não o prêmio de “No Ritmo do Coração”.

O momento, digno de filme, aconteceu já na reta final. Rock fez uma piada com a alopécia de Jada Pinkett Smith. Seu marido, Will Smith, foi então ao palco e agrediu o humorista, num momento que não tinha ficado claro se foi ensaiado ou não. De volta ao lugar, gritou para que Rock “tirasse o nome” de Jada Pinkett da boca.

O clima pesou e, poucos minutos depois, quando Smith confirmou seu favoritismo ao prêmio de melhor ator, se desculpou. Mas ressaltou que, em sua vida, sempre fez questão de proteger sua família e aqueles que ama.

É digno de nota o fato de a piada acontecer justamente num ano em que “No Ritmo do Coração” tanto debateu capacitismo e condições de saúde. E, ao levar o grande troféu da noite, frustrou “Ataque dos Cães”, que parecia estar com o caminho livre para galopar rumo a ele, mas acabou laçado pelo melodrama.

“Eu quero pedir desculpas à Academia. Eu quero pedir desculpas aos outros indicados. Este é um momento lindo, e eu não estou chorando por ganhar um prêmio. Não é sobre ganhar um prêmio. É sobre poder destacar várias pessoas”, disse ele, antes de agradecer a alguns colegas de “King Richard: Criando Campeãs”. “A arte imita a vida. Eu estou parecendo o pai doido, como descreveram Richard Williams. Mas o amor leva você a fazer coisas loucas.” Aos prantos, foi aplaudido de pé.

A vitória, por mais simpático que o filme seja, mostra que as mudanças recentes no quadro de votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas não foram suficientes para eclipsar o poderio de seus membros mais tradicionais –isto é, homens brancos, velhos e heterossexuais.

“No Ritmo do Coração” tem tudo para agradar, e de fato é um filme bem feito e com atuações excelentes. Mas pertence à “Sessão da Tarde”, não ao Oscar. Sua vitória mostra que, entre o drama de um caubói gay reprimido, dirigido por uma mulher para a Netflix, e um remake de um “feel good” francês, de moral bonitinha e que não ofende ninguém, o último tipo ainda tem vantagem.

Sim, “No Ritmo do Coração” também é de um streaming -o Apple TV+, que ganha aqui o primeiro Oscar de melhor filme para uma plataforma do tipo-, mas foi produzido de forma independente, aplaudido em Sundance e, só aí, gerou uma disputa por seus direitos de distribuição.

É mais um filme a entrar no grupo de dramas sem muita ousadia que, pensados para o Oscar, acabam levando seu grande prêmio, como “Green Book: O Guia”, “Spotlight”, e “Crash – No Limite”, todos um tanto sem sal e esquecíveis. Não que “Ataque dos Cães” seja uma obra-prima inegável, mas esta corrida ao Oscar teve uma seleção eclética e interessante de filmes, bem melhor que a safra do ano passado.
Havia o faroeste “Ataque dos Cães”, a comédia “Não Olhe para Cima”, o estrangeiro “Drive My Car”, o coming of age “Licorice Pizza”, a ficção científica “Duna”, o suspense “O Beco do Pesadelo”, o musical “Amor, Sublime Amor”, a cota britânica anual preenchida por “Belfast” e mais um drama motivacional genérico, “King Richard – Criando Campeãs”, que poderia ter sido substituído por produções mais instigantes, como “Tick, Tick… Boom!”, “A Filha Perdida” ou “A Tragédia de Macbeth”, trio que quase chegou lá.

“No Ritmo do Coração” pode ter levado o principal prêmio, mas o grande vencedor da noite, em termos quantitativos, foi “Duna”. Como esperado, a ficção científica dominou as categorias técnicas, recebendo seis estatuetas.

E, por mais que “Ataque dos Cães” tenha se frustrado, ao menos foi responsável por uma marca histórica –garantiu pela terceira vez o prêmio de direção a uma mulher, Jane Campion. Este reconhecimento, aliado ao fato de “No Ritmo do Coração” também ter uma diretora, conclui, com chave de ouro, a jornada poderosa de cineastas mulheres por festivais e premiações ao longo desse último ano. Elas venceram ainda os principais prêmios de Cannes, Veneza e Berlim.

Esforços em prol da diversidade deram resultado nas categorias de atuação. Em ator, Will Smith confirmou o favoritismo por sua atuação em “King Richard”. Já em atriz coadjuvante, Ariana DeBose se tornou a terceira latina a vencer, ao lado de Rita Moreno, que interpretou a mesma personagem no “Amor, Sublime Amor” de 1961.

Em ator coadjuvante, Troy Kotsur arrematou o primeiro Oscar para um ator surdo, num dos momentos mais memoráveis da noite. A única pessoa surda a vencer uma estatueta de atuação, antes dele, foi curiosamente sua parceira de cena em “No Ritmo do Coração”, Marlee Matlin, em 1987.

O prêmio de atriz principal, ao contrário desses outros três, passou toda a corrida mergulhado em incertezas, e acabou dando a Jessica Chastain sua primeira estatueta. Ela venceu por “Os Olhos de Tammy Faye” em meio a uma disputa acirradíssima, com a concorrência entregando performances poderosas.

Os prêmios foram entregues numa cerimônia envolta em expectativa, já que foi marcada por mudanças para tentar recuperar os espectadores que o Oscar vem perdendo há anos. Uma das novidades foi o retorno dos apresentadores fixos, com Wanda Sykes, Amy Schumer e Regina Hall. Apesar de uma falta de fluidez inicial, elas não tiveram dificuldade para arrancar risadas e logo se mostraram bastante entrosadas.

Delas partiram alguns momentos politizados disfarçados de piadas. Logo de cara, por exemplo, alfinetaram a concorrência. “Eles acrescentaram um nome nas homenagens póstumas deste ano, o Globo de Ouro”, disseram, em meio à polêmica pela falta de membros negros e de transparência na organização.

O trio também lembrou os recentes protestos em torno de uma nova lei homofóbica do estado da Flórida e brincou que a noite seria “gay, gay, gay”.

Já a guerra na Ucrânia se fez presente em fitinhas presas a alguns looks e também num cartão de texto, no meio da transmissão, que pedia para as pessoas mostrassem seu apoio nas redes. Mila Kunis, ucraniana, mandou uma indireta no palco, citando aqueles que “lutam contra uma escuridão inimaginável”.

O trio Sykes, Schumer e Hall, vale ressaltar, foi hilário sem abandonar o bom senso, algo que apresentadores passados fizeram com frequência. O próprio Chris Rock, que apresentou o Oscar duas vezes, não deixou de soltar algumas ofensas nessas ocasiões.

Outras mudanças que a Academia adotou, como esperado, não desceram bem e beiraram o ridículo. Foi o caso dos cortes de algumas categorias e seu prêmio para o filme favorito dos fãs. Mas se a instituição queria atrair público e gerar engajamento, conseguiu. Só que não pelas novidades, e sim pelo novo detentor de sua estatueta de melhor atuação masculina.

Folhapress

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