Ex-assessor denuncia esquema de rachadinha no gabinete do deputado André Janones
André Janones, pré-candidato a presidente, está sendo investigado por praticar rachadinhas em seu gabinete na Câmara, onde funcionários eram obrigados a lhe devolver até metade dos salários: a ex-assessora e atual prefeita de Ituiutaba seria responsável pelo recolhimento do dinheiro
Há mais de uma década tentando se estabelecer na política, foi só em 2018, graças à greve dos caminhoneiros que o nome de André Janones rompeu a barreira do anonimato no Triângulo Mineiro, região onde mora. Na ocasião, orientado por um amigo e hoje ex-assessor, Janones gravou um vídeo dando voz aos grevistas. Vídeo esse que teve mais de 2 milhões de visualizações em menos de 24 horas. Ali, o ex-cobrador de ônibus que conseguiu se formar em Direito, ficou conhecido nacionalmente e conseguiu se eleger deputado federal pelo Avante (MG), com 178 mil votos. Mas, agora, em meio a sua pré-campanha para presidente da República, que lhe confere 2% nas pesquisas, o deputado está sendo denunciado por um ex-assessor no Ministério Público Federal (MPF), de Minas Gerais, pela prática de rachadinha em seu gabinete, se apropriando de parte dos recursos públicos do funcionalismo em benefício próprio.
A denúncia, que está sendo alvo de investigação e que corre em sigilo no Ministério Público Federal-MG, surgiu em novembro do ano passado, quando Fabrício Ferreira, ex-assessor de Janones na Câmara e autor da ideia de gravar o tal vídeo na greve dos caminhoneiros, resolveu entregar à Justiça alguns documentos que comprovariam a existência do esquema em que o deputado embolsaria parte dos salários de seus assessores. Os métodos adotados pelo deputado mineiro são bem semelhantes aos praticados pelo senador Flávio Bolsonaro no Rio de Janeiro no tempo em que foi deputado estadual (o funcionário público recebe o salário e no mesmo dia deposita parte dos valores na conta do parlamentar).
ISTOÉ teve acesso a duas gravações mostrando como o esquema da rachadinha de Janones acontece. Nelas, pode-se ouvir conversas entre Fabrício Ferreira e Alisson Camargos, também ex-assessor do deputado na Câmara. Nas gravações entregues ao MPF-MG, os dois falam sobre valores das verbas públicas desviadas e quem seria encarregado de fazer o recolhimento do dinheiro e depositá-lo mensalmente nas contas do parlamentar. Fabrício foi o responsável por fazer as gravações dos diálogos telefônicos com outros integrantes do gabinete parlamentar e enviar os documentos aos procuradores da República.
Alisson Camargos hoje não trabalha mais no gabinete do deputado, mas é secretário de Meio Ambiente de Ituiutaba, cidade natal de Janones, cuja atual prefeita é Leandra Guedes, também ex-assessora do parlamentar e sob quem cai a suspeita de ser a responsável por recolher parte do salário daqueles que participavam do esquema de rachadinha no gabinete do deputado. Em julho de 2020, ela recebia R$ 11.733,64 mensais. Detalhe: Janones, Alisson e Leandra são do Avante.
De acordo com as acusações e com os áudios aos quais ISTOÉ teve acesso, o esquema era liderado por Leandra a mando de Janones e teve início em 2019, no começo da nova legislatura e só teria terminado em dezembro último, com a denúncia feita por Fabrício ao MPF. Em quase três anos lotado no gabinete de Janones, Alisson teria recebido em torno de R$ 315 mil.
Na época em que os telefonemas foram gravados, Leandra era a principal assessora do parlamentar na Câmara. Ela recolhia o dinheiro dos demais envolvidos, entre eles, Alisson, que nos áudios aparece dizendo que entregava quase R$ 5 mil todos os meses para os responsáveis pelo esquema. “É quase cinco contos que eu passo pra eles. Nem nove mil tô tirando. Nove mil no papel, entendeu?”, diz Alisson para Fabrício numa das conversas gravadas e que estão em poder do MPF.
Ou seja, ele diz ter um salário nominal de R$ 9 mil, mas devolvia R$ 5 mil, ficando com apenas R$ 4 mil. “É aquele mesmo esquema: dá o dinheiro pra Leandra e ela passa pro André”, pode-se ouvir nos áudios. Num outro momento, indagado por Fabrício se ele sabia que todos estavam nas mãos de Leandra, Alisson diz que sim e se refere à então assessora como uma “desgraça”.
Ele não gosta quando lembram, mas o hoje deputado pelo Avante foi filiado ao PT por quase uma década, quando ficou conhecido em Ituiutaba e região por seu trabalho em prol do social e pelas denúncias que fazia, como uma espécie de porta-voz do povo da região. Mas o parlamentar nunca havia conseguido ser eleito. Em 2016, tentou se candidatar a prefeito de Ituiutaba, sem sucesso. Vitória mesmo só em 2018, e graças aos caminhoneiros revoltosos.
Recentemente, chamou atenção ao aparecer numa pesquisa para presidente da República com 2% das intenções de votos. Pessoas próximas ao deputado e pré-candidato à Presidência dizem que ele aposta todas as fichas nas redes sociais para ser um dos nomes da tão almejada terceira via, já que ele conta com mais de 13 milhões de seguidores em seus canais na web. O que ele não esperava era ser alvo de denúncias de que em seu gabinete na Câmara dos Deputados havia um esquema de rachadinha.
Procurado pela reportagem, André Janones limitou-se a responder, via assessoria de imprensa, que não há qualquer citação ao seu nome no processo das rachadinhas. “Não fui comunicado de nenhum procedimento do Ministério Público. Entendo que o fato desta denúncia vir à tona tanto tempo após o suposto esquema demonstra oportunismo político e deixa claro fazer parte de uma disputa política local da região.” Para o deputado, sua vida política é pautada pelo combate à corrupção e contra os desvios do dinheiro público. “Tomarei providências jurídicas, pois jamais aceitarei que denúncias levianas de cunho político regional venham denegrir minha imagem construída com retidão ao longo de tantos anos. Esse é o compromisso que assumi quando fui eleito pelo voto de mais de 178 mil mineiros”.
Em entrevista à ISTOÉ, Alisson Camargos disse que as denúncias são vazias e sem qualquer materialidade, feitas por um funcionário desqualificado, que havia sido mandado embora há pouco tempo e que estaria sob o efeito de enorme carga emocional. Ele acha que a Justiça não deveria dar valor a áudios relativos a conversas privadas entre ele e Fabrício, então seu colega de trabalho.
“Trabalhei mais de um ano no mandato do deputado André Janones e afirmo categoricamente que nunca houve devolução dos salários. As conversas foram retiradas de contexto, de forma maldosa e maliciosa para exploração política rasteira, disse Camargos, desmentido pelas gravações em mãos dos procuradores. Em relação à prefeita Leandra Guedes, então assessora e suspeita de ser a responsável por recolher parte dos salários, ele diz tratar-se de “pessoa honesta, íntegra e de grande valor moral”. Diz que suas falas contra ela nas gravações decorrem de conversa privada “na qual eu externava, de modo passional, a discordância pelo seu nome ter sido escolhido como candidata nas eleições daquele ano (2020)”. Garante que havia se desculpado com a prefeita muito tempo antes de o áudio ser divulgado. Já a assessoria de imprensa da prefeita de Ituiutaba Leandra Guedes não respondeu às mensagens enviadas pela reportagem.
Dobradinha interrompida
André Janones e Fabrício Ferreira se conheceram logo após o atual deputado não ter conseguido se eleger prefeito de Ituiutaba, em 2016. Ali ficaram amigos. A greve dos caminhoneiros dois anos mais tarde, e a gravação do vídeo com os grevistas, alavancou o início da vida pública de Janones e serviram para unir ainda mais os dois. Após Janones ter sido eleito deputado federal em 2018, Fabrício foi um dos primeiros assessores a ser nomeado. Pessoas próximas aos dois dizem que a relação entre eles começou a azedar logo no primeiro ano de mandato, quando Fabrício se deu conta de que alguma coisa estava errada ali e que o deputado não o estava valorizando como esperava.
Quando eles se conheceram, tinham o mesmo posicionamento político e a mesma preocupação com o desenvolvimento social do Triângulo Mineiro. Combinaram que eles utilizariam a Câmara para relatar o drama dos moradores da região, mas não foi o que aconteceu. De acordo com o entendimento entre os dois, Fabrício seria o responsável por fazer todo o trabalho de monitoramento nos órgãos de transparência, coletar as queixas dos eleitores do parlamentar e dar publicidade aos fatos nas redes sociais, para agradar os eleitores de Janones. Quando as denúncias feitas por Fabrício começaram a afetar prefeitos aliados do deputado, a relação entre os dois desandou de vez. Quem conhece Fabrício diz que ele ficou muito desapontado com tudo o que aconteceu e que ele sempre repete que Janones, depois de eleito, virou um político como outro qualquer.
Janones é citado ainda em outro processo, além das rachadinhas. Ele é investigado por fraude processual e esse caso também envolve sua ex-assessora e atual prefeita e Ituiutaba Leandra Guedes. O documento ao qual ISTOÉ teve acesso diz que Janones fraudou em processo judicial a informação que sua assessora trabalhava em Brasília. “Além de ser lotada em Minas, ela confessa em vídeo que trabalhava o tempo inteiro em Ituiutaba, local que se candidatou irregularmente ao cargo majoritário descumprindo a lei constitucional para se candidatar”, diz a denúncia. Mas o deputado Janones, como testemunha do processo que havia condenado sua assessora, recorreu usando “de fraude processual e atentando contra a fé pública”, ao emitir documento fraudulento no qual induziu a justiça ao erro com manobras grotescas no processo, omitindo a informação de que Leandra não ficava em Brasília, mas sim, em Ituiutaba.
“Passo quase cinco contos pra eles”
Eis os diálogos entre Fabrício Ferreira, ex-assessor do deputado André Janones, e Alisson Camargos, ex-assessor do parlamentar e atual secretário do Meio Ambiente de Ituiutaba, em que falam sobre o pagamento de rachadinhas no gabinete do presidenciável