PR-323: ‘Rodovia da morte’ tem histórias de mistério, luto e recomeço
As tristes estatísticas deram à PR-323 o apelido de “Rodovia da morte”. Muitas pessoas perderam suas vidas em acidentes na via, que passa por 14 municípios: Maringá, Paiçandu, Jussara, Terra Boa, Doutor Camargo, Tapejara, Cruzeiro do Oeste, Tuneiras do Oeste, Cianorte, Umuarama, Perobal, Cafezal do Sul, Iporã e Francisco Alves.
Entre as tantas histórias de luto que a PR-323 carrega está a da família Poncetti. O casal José Carlos e Cilmara, de Cianorte, perdeu um de seus quatro filhos no dia 12 de novembro de 2010, uma sexta-feira. Bruno Lopes Poncetti tinha 20 anos e cursava o último ano da graduação de odontologia em Maringá, seguindo os passos dos pais, que são cirurgiões-dentistas.
Naquele dia, o jovem estava a caminho de Cianorte para comemorar o aniversário de 50 anos de casamento dos avós paternos, quando bateu de frente com outro carro que ultrapassava em local proibido, segundo José Carlos. O acidente aconteceu nas proximidades do município de Jussara. Junto com ele estavam outros três jovens que ficaram feridos, mas se recuperaram. Bruno não resistiu.
“Meu filho estava vindo para as Bodas de Ouro do meu pai e da minha mãe quando se acidentou no meio do caminho: bateu de frente com um Fiat Uno de uma mulher que estava apodando em faixa contínua. Ele não conseguiu desviar e [o outro carro] bateu no lado do motorista, onde ele estava”, relatou José Carlos Poncetti em entrevista ao GMC Online.
Para o pai, é um luto que não passa. “O consultório ficou parado, meus outros filhos não queriam mais estudar… Foi uma série de detalhes que tivemos que nos adaptar. E até hoje a gente sente muita falta. Eu acho que essa dor que nós sentimos, essa saudade, nunca vai passar. Embora o pessoal fale que passa, a minha e da minha esposa continua aumentando. Porque não é normal perder um filho. E ele estava se formando e ia nos substituir no consultório. (…) Sofremos muito. Hoje todos os irmãos dele estão formados, mas o pensamento dele não sai da nossa memória “, conta.
Após o acidente, a família se engajou na luta pela duplicação da PR-323, junto a uma comissão organizada pela sociedade civil. “De lá para cá, vem sendo travada uma luta muito grande para a duplicação dessa PR. Precisa ser duplicada, não podemos mais deixar famílias serem prejudicadas e entristecidas por mortes de pai, de mãe ou de filhos. A dor de perder um filho é muito maior do que se possa imaginar”, finaliza o pai.
Recomeço
Alguns dos acidentes que ocorreram na PR-323 chegaram a ganhar repercussão nacional. Foi o caso da colisão entre um ônibus da Secretaria de Saúde de Altônia e um caminhão-tanque que aconteceu no dia 31 de outubro de 2016, em Cafezal do Sul. Ao todo, 21 pessoas morreram e oito ficaram feridas.
O ônibus levava pacientes para Umuarama, para consultas médicas e cirurgias, quando bateu de frente com o caminhão. Com o impacto, os dois veículos pegaram fogo e muitos passageiros morreram carbonizados.
Entre os oito sobreviventes da tragédia estava o casal de idosos Antônio e Itamar de Matos, moradores de Altônia. Naquele dia, ele faria cirurgia de catarata em Umuarama e a esposa o acompanhava.
O GMC Online conversou com um dos oito filhos do casal, Agnaldo de Matos, que contou como foi o acidente. Com a colisão, Antônio bateu a cabeça, mas conseguiu sair do ônibus pelo para-brisa. Itamar ainda estava no veículo e as chamas começaram a se espalhar rapidamente, mas o marido conseguiu chegar até a porta do ônibus para ajudá-la.
“Meu pai tomou uma pancada forte na cabeça e ficou zonzo, mas conseguiu passar por cima das ferragens e pulou pelo para-brisa. Minha mãe contou que desmaiou e caiu no vão da escada do ônibus. Quando acordou ela estava com um ferro atravessado na panturrilha. Mas meu pai conseguiu chegar até a porta do ônibus e minha mãe pulou nos braços dele. Ela foi a última a sair, o fogo já estava chegando nela, tanto que as costas dela ficaram cheias de bolhas. Mais 30 segundos e ela não tinha conseguido sair”, detalhou o filho do casal. “Já tinha óleo diesel espalhado por tudo, inclusive nas roupas dos meus pais. A gente acredita que foi um milagre, realmente não era a hora deles”, acrescentou.
Os dois se recuperaram 100% dos ferimentos causados pelo acidente, de acordo com Agnaldo. “Em um mês meu pai já não sentia mais nada. Minha mãe ficou uns três meses sentindo muita dor no corpo, até achamos que ela não ia se recuperar, mas se recuperou 100%”, conta.
Antônio, no entanto, faleceu em maio do ano passado por complicações da covid-19. E Itamar se mudou para São Paulo, para ficar mais perto dos filhos. “Infelizmente perdi meu pai no ano passado para essa doença, mas tive a chance de viver mais cinco anos com ele, depois do acidente”, finaliza Agnaldo.
Duplicação
A PR-323 é a principal ligação entre as regiões norte e noroeste do Estado e a duplicação da via é uma demanda antiga. Foram muitas manifestações ao longo dos últimos anos e, aos poucos, em licitações distintas, a rodovia vem sendo duplicada.
O primeiro trecho duplicado foi o que liga Maringá e Paiçandu, que tem quase quatro quilômetros. Em fevereiro do ano passado, foram concluídas as obras de duplicação dos dez quilômetros que ligam Paiçandu a Doutor Camargo.
Agora, estão em andamento as obras para duplicação do trecho que vai de Doutor Camargo até aproximadamente um quilômetro antes da margem do Rio Ivaí (cerca de 6,3 quilômetros); e outro trecho no perímetro urbano de Umuarama, entre o trevo do Gauchão e o acesso a Mariluz (cerca de 4,4 quilômetros); além de outras melhorias, como explicou o governador Ratinho Junior à reportagem do GMC Online.
“Estamos com algumas obras já acontecendo. Você pega ali a duplicação de Doutor Camargo até sentido o Rio Ivaí, é uma obra que já está acontecendo. Acredito que até abril possivelmente já vamos estar entregando esse trecho de duplicação, que já vai dar um avanço bastante importante para a região. E nós temos mais 20 ou 23 trechos de terceiras faixas sentido Umuarama, que também vai aumentar muito a capacidade de carga da rodovia e diminuir muito os acidentes, ali é uma rodovia que sempre foi muito problemática. Então com essa duplicação, mais as terceiras faixas e mais o trecho do Trevo Gauchão, em Umuarama – que é duplicação, tem viadutos, em especial no perímetro urbano, até o trevo de Mariluz – vai dar uma dinâmica nova para essa rodovia e também diminuir os acidentes, que era nossa maior preocupação”, detalhou em entrevista concedida neste mês.
Além da grande quantidade de acidentes, a rodovia atrasa o desenvolvimento econômico da região, na avaliação da “Comissão Pela Duplicação da Rodovia PR-323”, criada em 2010 pela sociedade civil – incluindo associações comerciais, igrejas, clubes e outros.
“Constatamos que estava morrendo muita gente nessa rodovia e percebemos que estávamos encontrando dificuldade na comercialização dos produtos. Os fornecedores não queriam mais vir para Cianorte, não queriam vir para Umuarama, porque eles compreendiam que a rodovia era muito ruim. Se você ia comprar uma mercadoria de um fornecedor de São Paulo, para ele te entregar até Maringá era um preço, de Maringá para Cianorte era outro – bem maior. Então ficamos atentos também para essa questão e nos reunimos para criar a comissão”, explicou Rubens Pereira, membro da comissão e ex-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Cianorte (ACIC). Assim surgiu o grupo, que até hoje monitora os trabalhos que estão sendo desenvolvidos na rodovia.
Cemitério dos Caboclos
A PR-323 também carrega histórias de muito mistério. Às margens da rodovia, em Paiçandu, fica o Cemitério dos Caboclos, que leva a fama de ser mal-assombrado e hoje está abandonado, segundo informações do projeto Maringá Histórica.
De acordo com alguns pesquisadores, o cemitério foi construído entre as décadas de 1930 e 1950 com a finalidade de enterrar os chamados “caboclos” que habitavam as regiões norte e noroeste do Paraná. Pouco estudados, os caboclos eram mestiços, entre índios, negros, brancos e até alguns muçulmanos. Os caboclos, inclusive, são considerados os primeiros habitantes da região metropolitana de Maringá. Eles teriam desaparecido na década de 1960.
Além dos relatos de aparições de espíritos, moradores da região atribuem ao local os muitos acidentes que ocorrem na PR-323. Entre os relatos, o mais emblemático é de um personagem que a comunidade da região apelidou de “Caboclinho”, de acordo com o projeto Maringá Histórica. Segundo a lenda, seu espírito apareceria no banco do passageiro de caminhões e puxaria o volante para a esquerda, causando acidentes.
Do GMC Online