É #FAKE orientação para jogar água sanitária em rede de água de esgoto para evitar contaminação pelo coronavírus
Mensagem falsa afirma que vírus presente nas fezes dos contaminados se multiplicam nas águas residuais. Virologista diz que é improvável que o esgoto seja uma fonte capaz de infectar pessoas, como acontece com outras doenças”.
Viralizou nas redes sociais uma recomendação para que a população coloque água sanitária em ralos, pias e chuveiros para matar o coronavírus. A justificativa: o vírus estaria se multiplicando nos esgotos. É #FAKE.
A mensagem que está circulando diz: “Por favor, adicione uma colher de sopa de água sanitária em cada ralo das suas privadas, lavatórios, banheiras, chuveiros, lava-louças… As autoridades holandesas descobriram que o vírus está crescendo e se multiplicando no sistema de águas residuais. Eles descobriram que mesmo as pessoas que estavam confinadas em suas casas pegaram o vírus e decidiram testar a água do sistema de águas residuais. Encontraram o vírus Covid-19 ativo nos esgotos.”
Só que especialistas entrevistados pela CBN explicaram que a recomendação não procede, porque o vírus na prática não tem capacidade de infecção ao estar no esgoto.
O virologista Rômulo Neris, doutorando pela UFRJ, esclarece que os estudos apontam que o Sars-CoV-2, causador da pandemia de Covid-19, perde essa capacidade depois de algumas horas fora do organismo humano. Ele não soube de qualquer país que tenha feito a indicação de uso da água sanitária para tratar água de esgoto e assim neutralizar o vírus.
“Sabe-se que muitos vírus não sobrevivem por longos períodos em tubulações e estações de esgoto. Por isso, testá-las permite uma análise instantânea da situação de uma cidade. Uma vez que é difícil rastrear e testar em massa toda a população, vira uma ferramenta útil para discutir o cenário. Apesar disso, temos que tomar cuidado com essas análises, exatamente porque é improvável que o esgoto seja uma fonte de vírus capaz de infectar pessoas, como acontece com outras doenças”, pondera o virologista.
“Todos os vírus precisam estar dentro de alguma célula para sobreviver e se multiplicar. Por isso, vírus não são capazes de se multiplicar em água ou resíduos de esgoto”, afirma Neris. “A água sanitária é, de fato, capaz de eliminar o vírus, mas uma colher de água sanitária nem seria suficiente para os milhares de litros de água que circulam em casas com saneamento nas grandes cidades todos os meses.”
Ele lembra que a análise da água de esgoto para detecção da presença do coronavírus – que ocorreu mesmo na Holanda e em outros países, embora sem recomendação para o uso de água sanitária pela população – serve para acompanhar a circulação e prevalência do vírus em uma determinada região.
A CBN procurou o Ministério da Saúde, que esclareceu que “não existe recomendação de que se utilize água sanitária em ralos, banheiras, chuveiros e lava-louças de residências como forma de evitar o contágio por coronavírus”.
Nota oficial explicou que existem estudos que apontaram a presença do vírus em esgotos, mas ressalvou que “esse tipo de detecção de partículas tem a função de mapear quais são as áreas com maior taxa de infecção pelo vírus. Assim, gestores podem agir de forma preventiva e tomar decisões em relação a medidas de isolamento social.”
A pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública Patricia Canto Ribeiro ressalta que o material encontrado nas águas pode ser apenas partículas de vírus. Portanto, não há por que temer ser infectado por esta via. “Alguns estudos encontraram o RNA do vírus em esgoto. Mas não há, pelo menos até este momento, comprovação de que seja infectante. Ou seja, o encontro do RNA não é suficiente para que este seja causador de doença; podem ser apenas partículas degradadas do vírus”, diz Canto Ribeiro.
A médica desconhece a existência de estudos sobre uso de água sanitária em ralos para neutralizar o coronavírus, e reforça que o poder desinfetante do produto depende diretamente da concentração na água. “É bem possível que fique muito diluída e não tenha efeito contra vírus. Mas ressalto que não há evidências de que o vírus possa ser transmitido dessa forma.”
Presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, o infectologista Renato Kfouri reforça: “A transmissão fecal oral não é documentada. Embora já se tenha identificado material genético do vírus em fezes e esgotos, não há registro de transmissão por essa via. Portanto, não há indicação de tratar de forma diferente a água, nem adicionar água sanitária nos ralos.”
Kfouri lembra que o sistema de tratamento vigente dá conta da limpeza da água. “Esses dados de esgoto servem para a área de vigilância, não são indicação de necessidade de tratamento. O processo que a água sofre até chegar às nossas casas já é mais do que suficiente.”
A mensagem falsa já circulou também na Europa. Fato é que estudos feitos em países como a Holanda, a França e a Austrália já mostraram que as fezes de pessoas infectadas pelo vírus contêm o material genético do vírus, como apontaram os especialistas entrevistados pela CBN. Examinar o esgoto pode ser uma forma de monitorar a propagação desta e de outras epidemias, por meio de uma estimativa do número de infectados na área pesquisada.
Na nota oficial enviada à CBN, o Ministério da Saúde ratificou que analisa “a evolução da Covid-19 para a adoção de novas ações para atendimento da população brasileira, em apoio aos gestores locais do Sistema Único de Saúde (SUS)”, e publica “diretrizes com orientações e recomendações relacionadas à prevenção, controle e redução da transmissão da Covid-19”. Usar água sanitária nos esgotos não é uma delas.
Do G1