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‘A grande maioria dos pacientes com câncer hoje já é curada’, diz oncologista

CEO da Oncoclínicas&Co fala sobre o que esperar da oncologia no futuro em termos de diagnóstico e tratamento e como melhorar o acesso às terapias de ponta

O aumento da longevidade tem como consequência o crescimento no número de casos de câncer. Por outro lado, graças aos avanços da medicina e da tecnologia, temos cada vez mais ferramentas para combater a doença. Elas também estão mais precisas e eficazes.

O oncologista clínico, fundador e CEO da Oncoclínicas&Co, um dos maiores e mais respeitados grupos de oncologia, hematologia e radioterapia da América Latina, afirma que para muitos pacientes, o câncer já se tornou uma doença crônica, com a qual é possível conviver. Em muitos outros casos, até mesmo para aqueles que seriam incuráveis há uma década, já há cura.

E a expectativa é que tudo isso só melhore. Ferrari, que também é responsável técnico do grupo e membro do Comitê de Clinical Guidelines da American Society of Clinical Oncology (ASCO) fala sobre o que esperar da oncologia no futuro e como melhorar o acesso aos tratamentos de ponta.

Quais avanços estão moldando o futuro da oncologia?

Conhecer melhor o câncer tem sido fundamental para que a gente vença a doença. Nas últimas duas décadas, o que mais evoluiu é o conhecimento sobre a doença. Por exemplo, há 15, 20 anos, a gente achava que tinham dois tipos de câncer de pulmão, o de pequenas células e o de não pequenas células. Hoje a gente sabe que tem mais de 20 tipos de câncer de pulmão e ara cada um deles, um tipo de tratamento diferente. E como é que a gente sabe e reconhece essas variáveis? Através de um maior conhecimento da célula tumoral, ou seja, da genética. Então, o melhor conhecimento da célula tumoral nos levou a um maior conhecimento da doença, à identificação de possíveis alvos terapêuticos, ao desenvolvimento de novas terapias que trazem consigo uma melhor qualidade desses tratamentos, uma maior eficácia e menos toxicidade, muitas das vezes. Os pacientes vão viver mais, levando muitas das vezes pacientes que teriam uma morte em um curto período de tempo pela doença, a ter uma cronificação dessa doença. Esses tratamentos, com maior eficácia e menos efeitos colaterais, fazem com que os pacientes vivam muito tempo, com ótima qualidade de vida e sem os sintomas da doença. Isso é muito importante.

Estimativas preveem um aumento considerável nos casos de câncer nas próximas décadas. Estamos preparados?

A incidência de câncer vai aumentar por um fator simples, que é o envelhecimento da população. A expectativa das pessoas de viver mais vai fazer com que a incidência das doenças crônicas degenerativas aumente. O câncer é a principal delas porque ter câncer e envelhecer está intimamente relacionado e a gente está se preparando para isso. Não é só o Brasil, mas o mundo como um todo, sistema público e privado. A primeira forma de se preparar é individualizar. Quando a gente conhece melhor a doença e o paciente, a gente vai oferecer o tratamento certo, para o paciente certo, na hora certa, pelo tempo adequado, e isso é o que vai fazer com que esse sistema seja sustentável. Outra coisa fundamental é reconhecer os fatores de risco e tentar diminuir isso. Evitar fatores de risco ou elementos que trazem consigo maior risco, é fundamental. Por exemplo, 30% dos tumores estão relacionados ao tabaco. E agora temos um problema grave com os cigarros eletrônicos. É uma derrota da oncologia mundial. Nisso também entra o conhecimento do organismo, saber se um indivíduo nasceu com alguma mutação ou com uma maior probabilidade de uma doença específica e, obviamente, procurar, ao longo da vida, fazer um rastreamento mais precoce tendo ou não risco. Quem tem risco, faz uma um rastreamento específico. Quem não tem, segue as recomendações para a população de modo geral.

Estudos indicam que os casos de câncer têm aumentado especialmente entre jovens. O senhor acha que essa tendência se fortalecerá? Como lidar com isso?

Era raro falar de mulheres jovens com câncer de mama. Hoje, você ouve isso muito mais. É uma combinação de fatores, mais acesso a diagnóstico e uma maior exposição a fatores de risco. A gente costuma dizer que o câncer é mais incidente nos países desenvolvidos, onde a gente tem alimentação pior, com um modo de vida diferente, mais estressante. Todas essas coisas acabam contribuindo para isso. Mas é uma tendência universal que a gente vai enxergando e acho que isso não tem volta. Promover saúde, evitando fatores de risco e promovendo hábitos de vida saudáveis vão ajudar demais a diminuir essa incidência. Hoje, é impossível um paciente entrar dentro do consultório de oncologistas e sair sem ouvir falar de duas coisas importantes: não fumar e prevenir a obesidade. Então, de atividade física e alimentação adequada. Nossa obrigação não é só tratar o paciente, é promover saúde e isso deveria fazer parte de toda consulta oncológica. Outra coisa importante que a gente tem que mencionar num país como o Brasil é que ainda temos uma incidência muito alta de câncer de colo uterino, que pode ser prevenido com a vacinação. Vacinação não tem nada de polêmica e a vacinação contra o HPV é fundamental para que a gente controle a incidência de câncer de colo uterino.

Como tecnologias, como IA, análise genética avançada e big data, podem ajudar a transformar o diagnóstico do câncer?

Antes, a gente olhava uma lâmina. Hoje, a gente olha a lâmina e manda fazer uma série de avaliações genéticas para ver se existem ou não as alterações que podem ser possíveis alvos terapêuticos. Quando se começa a juntar a informação clínica do paciente, imagens, tratamentos e informações anátomo-patológicas e genômicas da célula, você começa a ficar mais inteligente. É um mundo de informação que você tem que combinar para entender por que um grupo de pacientes respondeu ou deixou de responder a determinado tratamento. E vai precisar de inteligência artificial para isso, de algoritmos para combinar todas essas informações. Isso vai nos ajudar a cada vez mais individualizar o tratamento. Às vezes não é uma mutação, é um conjunto de mutações ou um conjunto de mutações associadas a algumas características pessoais do indivíduo que vão fazer com que ele tenha maior ou menor chance de responder ou de curar da doença. A gente tem uma nova era que já começou. Quanto mais dados tivermos, mais inteligentes vamos ser num futuro breve para tratarmos nossos pacientes. Toda vez que a gente está tratando um paciente, a gente coleta dado clínico, sempre com a permissão do paciente, para que a gente também possa contribuir com uma melhor oncologia no futuro. Isso é tão importante quanto o dado do estudo clínico porque, no fim do dia, você vai coletando um mundo de informações das pessoas que estão sendo tratadas fora de ambientes altamente controlados.

Há um receio de que a inteligência artificial vá substituir o médico. O que o senhor acha disso?

Acredito que a inteligência artificial não vai nos substituir, mas vai ajudar demais. A gente já usa inteligência artificial em anatomia patológica, por exemplo, algoritmos que nos ajudam a identificar coisas que poderiam passar despercebidas pelo olho humano. Então ajuda o médico a ser mais eficaz e eficiente, mas nunca substituindo o médico.

O senhor acredita que, no futuro, será possível diagnosticar o câncer por um simples exame de sangue?

Acho que sim. Acho que seremos capazes de identificar fragmentos de DNA circulantes. Isso é uma tecnologia que já existe. A gente usa inclusive biópsia líquida para fazer acompanhamento de resposta tumoral quando não conseguimos acessar um tumor primário ou uma metástase. Em 1996, 1997, a gente tinha 30, 40 drogas para tratar todos os pacientes. Hoje a gente tem 200, 300 opções terapêuticas ultra mega específicas. Um paciente de câncer de pulmão metastático vivia quatro meses. Hoje, um grupo desses pacientes não vai mais morrer da doença. Já avançamos muito e acho que a gente vai chegar lá em breve.

O câncer vai se tornar uma doença crônica?

O câncer é uma doença crônica porque para um grupo de pacientes que apesar de ter a doença sistêmica ou ativa no organismo, está com ela controlada por remédios, igual se eu sou hipertenso. Eu tomo remédio para pressão e me controlo bem. Em diversas situações, o tratamento do câncer já é assim.

Conseguiremos a cura do câncer?

A grande maioria dos pacientes com câncer hoje já são curados. Muitos pacientes com câncer que forem diagnosticados numa fase inicial da doença e adequadamente tratados, serão curados. Aquele negócio de “não quero ir no médico porque não quero descobrir”, é ao contrário. Tem que fazer o controle, tem que estar lá presente nas consultas de rotina porque a chance maior da cura é quanto mais precoce e mais adequado for o tratamento. O que a gente está curando agora são pacientes que há uma década, considerávamos incuráveis. Por exemplo, pacientes que foram submetidos a transplante de medula para determinada doença que recidivava e com terapia celular entram em remissão de novo. Então a cura já existe. Agora eu não acredito na bala de prata que vai curar todos os pacientes.

Na sua opinião, qual é o futuro da imunoterapia?

Na verdade, a imunoterapia é o futuro. Estamos na segunda geração e vão vir outras. Cada vez mais vão vir moléculas ou drogas mais eficientes, menos tóxicas. É importante você fazer com que o próprio organismo, as suas próprias células de defesa, combatam a doença. Aliás, o câncer surge quando esse mecanismo falha. Quando o organismo não foi capaz de destruir ou aquela célula foi imuno incompetente para se autodestruir. Então, nada mais lógico do que você usar nosso sistema imunológico para tratar a doença também. Ela trouxe grandes benefícios para muitos pacientes, diversos diagnósticos. Mas acho que ainda vai ainda vai crescer muito.

O futuro da oncologia caminha para personalização de tratamentos?

O segredo vai ser o tratamento certo, para o paciente certo, na hora certa, pelo tempo certo. É medicina personalizada mesmo. E quando conseguirmos agrupar essas informações, será possível selecionar grupos com características que podem se beneficiar mais de determinados tratamentos. Não é igual uma roupa feita sob medida, mas é um tratamento que serve para aquele determinado grupo de pacientes.

Outro ponto importante é o acesso. Como promover acesso a todos esses avanços? Seremos capazes de oferecer algo mais igualitário?

A questão de financiamento em saúde vai ser sempre um problema, porque felizmente tem muito estudo, tem muita pesquisa, tem muita coisa que a gente quer e precisa melhorar e isso, obviamente, vai trazer mais complexidade e mais custo. Mas como é uma doença muito prevalente, tem muita gente estudando, mais concorrência e mais drogas competindo pela mesma doença. Isso é bom. O tempo passa, as patentes caem e entram os biossimilares e os genéricos. Além disso, quanto mais pessoas estiverem usando, menor vai ser o custo. A democratização acaba ajudando. O grande problema que a gente vai ter que lidar é para quem, quando e se isso realmente tem impacto para aquele paciente. Mas quanto todos entendem que o uso racional de tudo o que tem à disposição nas prateleiras, começa a dar previsibilidade para a sustentabilidade que a gente precisa tanto. Temos que fazer diagnóstico, prevenção primária, que é evitar fatores de risco; secundária, que é diagnóstico precoce, e o terceiro é a individualização daquele tratamento. Ter consciência disso é uma maneira da gente se preparar para o futuro, porque, o “tudo para todo mundo” é impossível e não vai funcionar. É como a gente fazia antigamente, há 20 anos. Dava uma combinação de quimioterapia para todos os pacientes. Um pequeno grupo se beneficiava e um grande grupo tinha uma toxicidade enorme e ainda assim morria da doença porque não havia conhecimento nem individualização, que é o que é fundamental hoje.

Quais os desafios a serem enfrentados na pesquisa do câncer?

Tínhamos um desafio enorme que era regulatório, mas ele acabou. Foi aprovada uma lei que facilita a pesquisa clínica no Brasil e nos coloca em igualdade de condições de competir por estudos clínicos com o mundo inteiro. Era inadmissível um país como o Brasil, com uma população diversa e com 210 milhões de habitantes realizar só 2% dos estudos clínicos. Acho que a gente vai ganhar muito com isso bom porque dá mais acesso, melhora e qualifica os nossos profissionais de saúde.

Quando falamos de futuro do câncer, pensamos sempre em tecnologia, novos tratamentos, cura, mas também estamos vendo uma preocupação cada vez maior com o bem-estar do paciente. Como esse aspecto entra no futuro da oncologia?

A gente não pode ver só a questão sistêmica do paciente. O bem-estar do paciente envolve a questão alimentar, espiritual, psicológica. Isso tudo faz parte de um atendimento multidisciplinar, que é fundamental para que o paciente tenha uma melhor resposta. Não adianta dar o melhor tratamento, se o paciente estiver desnutrido, não vai funcionar. Você vai perder o paciente por outros motivos que não a doença. A mesma coisa se ele não estiver bem psicologicamente. Essas coisas tem que caminhar juntas. O paciente tem que ser visto de uma maneira global. Costumo dizer que o câncer não é tratamento de um único profissional. O oncologista passa a ser maestro de uma orquestra que tem várias pessoas, vários músicos fundamentais.

Os cuidados paliativos entram nessa equação?

Os pacientes, principalmente aqueles que estão com doença avançada, precisam ser acompanhados por uma equipe de cuidados paliativos. Cuidado paliativo não quer dizer que o paciente não vai receber tratamento específico. Ele pode estar recebendo quimioterapia ou outro tratamento, mas ele está sendo acompanhado por uma equipe que vai nos ajudar a decidir o melhor momento de interromper um tratamento específico ou ter outros tratamentos. Mas em momento algum isso significa interromper o cuidado. Sempre tem algo a ser feito, até no momento da terminalidade. Quanto mais precoce a gente consegue falar de cuidados paliativos e mostrar para o paciente que não receber um tratamento oncológico específico não quer dizer que estamos deixando de cuidar dele, ajuda muito.

O Globo

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