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Acordar de madrugada para fumar e dores no peito: o relato dos jovens que tentam deixar o vício do vape

Embora a venda seja proibida no país desde 2009, os vapes são facilmente encontrados nas ruas, portas de balada e até semáforos. Na sexta-feira (19), a Anvisa decidiu manter a proibição.

Aos 23 anos, o influenciador Gustavo Foganoli conta que passou os últimos nove fumando cigarro eletrônico. O vício nos vapes, como também são chamados, chegou a um nível em que ele acordava no meio da noite para dar umas tragadas e voltar a dormir. Foi quando percebeu que a situação havia saído de controle e decidiu tentar parar. Ele é o retrato da febre que esses dispositivos viraram entre os jovens no Brasil nos últimos anos.

Embora a venda seja proibida no país desde 2009, os vapes são facilmente encontrados nas ruas, portas de balada e até semáforos. Na sexta-feira (19), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu manter vetadas a propaganda e comercialização do dispositivo.

Um dos pontos da agência é, justamente, o acesso facilitado dos jovens à nicotina. Foi o caso do influenciado, que começou a fumar vape oas 14 anos durante um curso nos Estados Unidos. Ele já tinha fumado cigarro comum antes, mas percebeu um descontrole com a versão eletrônica.

O cigarro eletrônico tem a facilidade de você fumar em qualquer lugar. Eu me sentia à vontade para usar até em lugares onde não é permitido fumar porque ele não tem cheiro de cigarro. Só que, ao mesmo tempo, você também não tem muito controle da quantidade como no cigarro comum. Quando vi, não conseguia ficar sem fumar e usava até na sala de aula.
— Gustavo Foganoli, influenciador e dependente de nicotina.

A nicotina é uma substância altamente viciante e, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), não há quantidade segura para o consumo. É por causa dela que as pessoas ficam viciadas no cigarro e é um dos pontos centrais da discussão dos vapes.

O que os órgãos de saúde e entidades alegam é que, com o cheiro e gosto agradáveis, elas não passam a percepção de risco do cigarro e nem de conterem nicotina. Um dos pontos levantados pela Anvisa é que a forma como os dispositivos são divulgados confunde a percepção de que têm nicotina e que são viciantes.

Um dos argumentos da indústria é de que os vapes podem ser usados como “redução de danos”, ou seja, uma alternativa para quem quer parar de fumar. Apesar disso, a quantidade de nicotina é um dos pontos que põe em xeque a promessa.

O cigarro comum tem 1 mg de nicotina por unidade. A carga do cigarro eletrônico tem cerca de 50 mg – isso porque há marcas no mercado com volume até maior. Ou seja, se a pessoa fuma uma carga por dia, ela está fumando o que corresponde a 50 cigarros.

Não parava de fumar nem para dormir

Foganoli diz que não saia de casa sem o vape, até mesmo se precisava ir à portaria do prédio, um caminho de cerca de um minuto, mas só se deu conta do vício quando notou que estava acordando de madrugada para fumar.

Eu estava dormindo com um amigo em um evento e comentei que estava me sentindo cansado e não tinha dormido direito. Foi quando ele me contou que eu tinha acordado de madrugada para fumar mais de uma vez e que talvez isso tivesse me deixando cansado. Eu não me lembrava e não conseguia acreditar naquilo.
— Gustavo Foganoli, influenciador que compartilhou vício em nicotina.

Ao monitorar o próprio sono, ele percebeu em uma das gravações que, de fato, estava fumando ao longo da noite. (Veja o vídeo no início da reportagem.)

Foi aí que decidiu parar. Influenciador com mais de 5 milhões de seguidores no Tik Tok e cerca de um milhão no Instagram, ele decidiu abrir o que antes mantinha como um segredo e dizer que era viciado em vape e que ia começar uma jornada para parar de fumar.

“Eu nunca contei e nunca deixei vazar porque eu tinha medo de que alguém visse e fosse influenciado por aquilo. Eu usava, mas sabia que fazia mal, era uma questão de não saber como parar, de não conseguir. Eu poderia esconder e passar por esse processo sozinho? Sim, mas muitos outros da minha idade também estavam usando aquilo e eu não queria que isso continuasse”, conta.

Ele abriu a #semnicotina onde compartilha o seu dia a dia tentando parar de fumar e foi seguido por outros influenciadores, todos com menos de 25 anos, que também admitiram o vício e decidiram parar de fumar.

No processo, uma de suas amigas, Fernanda Schneider, atriz e influenciadora, foi forçada a parar de fumar. Ela diz que fuma desde os 15 anos e que começou com o cigarro eletrônico.

Em um vídeo compartilhado com seus mais de 17 milhões de seguidores, Fernanda conta que teve dores no peito e dificuldade para respirar e precisou ser hospitalizada. O diagnóstico? Uma inflamação na membrana pulmonar causada pelo cigarro eletrônico.

“Eu fui parar no hospital com dores absurdas, eu tô morrendo de dor, tô tomando codeína”, conta no vídeo.

“São nove anos fumando, não é fácil. Nos primeiros dias, eu tive crise de abstinência, tremores, mas eu vou continuar nesse processo. Se eu puder deixar alguma mensagem a quem, assim como eu, usa isso, é: ‘pare agora, enquanto ainda dá tempo. E os demais, fiquem bem longe disso’”, diz.

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Moda entre os mais jovens

O uso do cigarro eletrônico entre os mais jovens é uma preocupação da Anvisa, médicos e pesquisadores por serem mais suscetíveis ao vício.

Para os especialistas, o apelo de cheiros, cores e sabores é o que chama atenção dos mais jovens. Segundo dados da pesquisa Vigitel, 60% das pessoas entrevistadas (de um universo de 52 mil) disseram que usavam vapes e que nunca tinham fumado antes do contato com o dispositivo. A maioria tinha até 24 anos.

A presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Margareth Dalcolmo, conta que tem recebido pais que não sabem como ajudar os filhos viciados em cigarros eletrônicos.

Eu tenho atendido adolescentes com pulmões que parecem de uma pessoa de 90 anos. Cheguei a falar com uma escola particular de elite no Rio de Janeiro depois de atender pacientes que diziam fumavam no banheiro. São adolescentes dependentes químicos sem saber.
— Margareth Dalcolmo, presidente da SBPT

Nos Estados Unidos, quando houve o boom de mortes por doenças relacionadas aos vapes, em 2019, com mais de 52 mortos, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês) informou que a maioria das vítimas era adolescente.

O Reino Unido quer proibir os cigarros eletrônicos para as pessoas nascidas até 2008, ou seja, com menos de 16 anos, para tentar evitar a crescente de jovens fumantes.

“Precisamos frear o acesso a esses dispositivos para não criarmos uma geração de dependentes de nicotina. O vape é prejudicial tanto quanto o cigarro comum. Nossos jovens estão usando isso achando que é uma fumacinha com gosto, mas é altamente tóxico”, explica André Szklo, epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer.

G1/Globo

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