Por conta do erro, Samara de Araújo Oliveira está presa há sete dias no Instituto Penal Oscar Stevenson, em Benfica, na Zona Norte do Rio
No semiárido da pacata São Francisco, cidade do interior da Paraíba, um funcionário do Mercadinho Vieira, que funcionava como representante da Caixa Econômica Federal, foi obrigado a fazer oito transferências de R$ 1 mil cada após ser ameaçado de morte. A extorsão ocorreu em setembro de 2010, mas seus desdobramentos bateram à porta da professora Samara de Araújo Oliveira, de 23 anos, na semana passada, quando ela lecionava numa escola de Rio Bonito, na Região Metropolitana do Rio.
O que o Ministério Público e a Justiça da Paraíba não perceberam na hora de expedir o mandado de prisão contra a jovem é que ela era apenas uma menina de 10 anos à época do crime, sendo inimputável perante a lei. Por conta do erro, ela já se encontra presa há sete dias no Instituto Penal Oscar Stevenson, em Benfica, na Zona Norte do Rio.
— Minha filha estava em sala de aula. Ela é professora de Matemática. Fiquei sabendo pela mãe dela que os policiais a levaram durante a aula como se fosse uma criminosa — disse o pai da jovem, o encarregado de transporte Simario Araújo, de 48 anos. — Ela nunca pisou na Paraíba. Minha filha é uma menina doce, estava se graduando em Matemática. Não foi nem à formatura dela, no sábado passado, porque estava presa.
Contas do Rio de Janeiro
De acordo com dados do Censo do IBGE divulgados este ano, 3.137 habitantes vivem em São Francisco. Quando o crime ocorreu, em 2010, um dos moradores da cidade era o funcionário do mercadinho que recebeu a ligação no dia 29 de setembro, por volta das 16h, de um desconhecido que o ameaçou de morte, dizendo que duas pessoas numa moto o vigiavam. E que estavam prontas para invadir o estabelecimento e executá-lo, caso não fizesse as oito transferências para sete contas diferentes. A vítima não poderia sequer desligar o telefone.
De acordo com o processo, atemorizada, a vítima cumpriu o que foi determinado. Na verdade, após investigações, foi constatado que se tratava de um golpe, pois não havia ninguém em frente ao mercado. O funcionário contou que o golpista passou os números das contas bancárias para as quais foram feitas as transferências. No entanto, três delas, num total de R$ 3 mil, foram bloqueadas. Com a quebra dos sigilos bancários, a Polícia Civil e o Ministério Público da Paraíba identificaram os donos das contas. Todos eram do Rio de Janeiro.
Duas acusadas, Cirlene de Souza e Josina Padilha, titulares das contas, foram localizadas e deram suas versões por carta precatória (quando o citado no processo responde às perguntas de um juiz de uma outra comarca). Uma delas confirmou ser dela a conta, mas que desconhecia o valor depositado. Já a outra negou ter conta bancária. As duas foram condenadas a cinco anos e quatro meses de prisão, mas, por terem bom comportamento e serem rés primárias, a pena teve início em regime semiaberto.
Faltavam dois acusados, Ricardo Campos dos Santos e Samara, que não tinham sido localizados. A Justiça chegou a suspender o processo, ou seja, paralisar a contagem de tempo de prescrição do crime. Na tentativa de encontrar quem faltava, o juízo determinou que o MP da Paraíba tentasse mais uma vez descobrir os endereços dos acusados. Em 20 de janeiro deste ano, foi decretada a prisão de Samara de Araújo Oliveira. O GLOBO encontrou num cadastro nacional de dados de pessoas físicas nove nomes iguais ao da professora.
Após a prisão no último dia 23, a família se mobilizou para demonstrar o erro à Justiça paraibana. O pai da jovem, que trabalha fora do Rio, temia que “algo de ruim acontecesse” na cadeia por Samara ser uma jovem ansiosa. Ela e o pai sempre foram muito unidos.
— Nos falamos por telefone todos os dias. Ela estava empolgada com as aulas da pós-graduação. A nossa conversa era sobre as primeiras palavras que o meu neto, de 2 anos, começava a falar. Na última quinta-feira, fui surpreendido com uma ligação inesperada da minha ex-mulher avisando que a minha filha tinha sido presa dentro da escolinha em que dava aula. Ela não cometeu crime algum — disse Simario.
Desde então, ele passa dia e noite em frente ao Oscar Stevenson, dormindo no próprio carro. Ele conta que Samara é nascida e criada em Rio Bonito, numa infância típica do interior, brincando na rua e sonhando ser professora.
Só anteontem a família, por meio de um advogado, provou ao juízo da Paraíba o equívoco. O juiz substituto Rosio Lima de Melo, da 6ª Vara Mista da cidade de Sousa, decidiu expedir o alvará de soltura de Samara reconhecendo o erro: “Verifico que merece prosperar a argumentação quanto à ocorrência de equívoco na exordial acusatória, na qual consta apenas a identificação por CPF, sem qualquer menção à data de nascimento da acusada”. Por fim, o magistrado ressalta que Samara teria 10 anos à época dos fatos.
Alvará atrasa
Procurados, o Ministério Público e a Justiça da Paraíba não responderam. A Secretaria de Administração Penitenciária do Rio, ao saber do que estava acontecendo, tirou a jovem da cela que dividia com outras 13 detentas. Ela passou o dia de ontem na sala da direção à espera do alvará de soltura.
Do lado de fora, o pai da professora aguardou a filha sentado na calçada. Numa tentativa desesperada de ter notícias de Samara, chegou a pagar R$ 200 a uma advogada que conheceu na porta do presídio para entregar à jovem seu bilhete: “Filha, está tudo bem. Papai está aqui. Você vai sair logo. Já conseguiram seu alvará. Não chore e nem se desespere. Quando sair, estarei aqui fora te esperando”.
— Minha filha é uma menina tímida e sensível. Não consigo imaginar como ela está sofrendo longe do filho todos esses dias. Não vou embora até tirá-la daí. Só quero provar sua inocência — afirmou, aos prantos.
À noite, Simario recebeu a notícia que o alvará só chegaria hoje. Foi mais uma noite de sofrimento.