Por Paulo Polzonoff Jr.*, na Gazeta do Povo
Há duas semanas revi “12 Homens e Uma Sentença”, clássico absoluto de Sidney Lumet. Já viram? Pois vejam pra ontem. O roteiro, já vou logo avisando, é de uma simplicidade enganosa: numa sala abafada, doze homens têm de chegar a um veredito unânine. Se eles considerarem culpado um jovem acusado de matar o pai, ele será condenado à morte. Senão, não. Logo no começo, tudo parece convergir para uma decisão rápida e fácil. Até que alguém, com base na dúvida, e não numa certeza contrária (isso é importante!), propõe uma dissidência.
Imaginar “12 Homens e Uma Sentença” sendo feito hoje, porém, é bem complicado. Primeiro porque duvido que as plateias jovens estejam dispostas a assistirem a duas horas de uma discussão. Mesmo que dessa discussão dependa a vida de um menino de 18 anos. Mas isso é o de menos. Os maiores problemas seriam (i) adaptar o elenco às demandas identitárias atuais e (ii) o principal: seria crível um filme todo baseado na nossa capacidade de nos deixarmos convencer de que estamos errados?
Sobre a demandas identitárias, vale dizer que, no filme original, de 1957, os doze homens do título têm cromossomos XY e pomo de Adão. Além disso, são todos brancos. São também todos maduros. Adultos não apenas no sentido cronológico. Por fim, acho que dá para afirmar que são todos de classe média, embora se possa dizer que um seja mais rico do que o outro. Ou seja, na cabeça das plateias contemporâneas, no filme não há “diversidade o bastante para abarcar a experiência humana”. Mas há.
Ô, se há! Porque a diversidade não está apenas nos sinais externos. Não está só na cor da pele, na sexualidade ou na classe social que se identifica pelos sinais de luxo ou pobreza. A diversidade está na alma de cada um daqueles doze homens que só os tolos do nosso tempo diriam que são iguais. Há o homem branco sábio, o homem branco malandro, o homem branco irritado, o homem branco hesitante, o homem branco tímido, o homem branco vaidoso, o homem branco preguiçoso, o homem branco teimoso. Todos com seus preconceitos, valores e interesses distintos. Mas semelhantes em duas coisas: o temor a Deus e o desejo de fazer o certo.
Minorias, dúvida, pressões
Hoje em dia imagino que uma produção daria mais ênfase às diferenças visíveis e, por isso, o júri seria composto por representantes de doze minorias. Não necessariamente as mais oprimidas da sociedade, e sim aquelas que conseguissem fazer mais barulho e, por consequência, mais pressão sobre o diretor de elenco. Numa coisa, porém, os jurados dessa versão contemporânea que, se Deus quiser e Deus há de querer, jamais será feita seriam iguais: no desejo de fazer prevalecer a sua vontade e os seus valores sobre a vontade e os valores dos demais. E isso é que é mais temoroso.
E aqui entra aquele que considero o maior problema de se fazer uma versão atual deste filme que, apesar da falta de super-heróis e efeitos especiais, do cenário claustrofóbico e da simplicidade do roteiro (ou talvez por causa dela) é daqueles que você aplaude de pé: nossa incapacidade muito contemporânea, muito século XXI, de mudarmos de opinião. De reconhecermos o erro. De nos deixarmos convencer por uma ideia contrária. Ainda mais quando o que está em jogo são valores civilizacionais cooptados e pervertidos pelas ideologias, como a dignidade humana, o valor da vida, a presunção de inocência e a crença na capacidade de redenção.
O argumento “você não tem medo de condenar um inocente?”, por exemplo, já não seria o bastante para convencer um defensor da pena de morte. Fatos sobre os quais pairam dúvidas seriam recebidos com um dar-de-ombros e a pergunta: “o que são fatos diante do que eu sinto?”. Ouso dizer também que haveria uma exigência maior por provas da inocência. A dúvida não bastaria para fazer ninguém mudar de ideia. E, para uma geração viciada em conforto, o calor da sala do júri seria muito mais determinante para um desfecho rápido, mas não moralmente justo.
Isso sem falar que, a depender da cobertura da imprensa sobre o caso, os jurados de hoje sofreriam mais com a pressão social por um resultado que apaziguasse as massas – o que quase sempre se traduz em condenação – do que com a pressão moral/espiritual por um resultado justo e caridoso, mesmo que severo. Um resultado com o qual os jurados pudessem conviver ao longo de suas vidas e, para quem acredita, um resultado que não lhes pesasse na balança final.