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Mulheres na Astronomia – As Calculadoras de Harvard

Essas foram algumas das mentes mais brilhantes da época, e que revolucionariam a Astronomia no início do Século XX

A Astronomia é considerada a mais antiga das ciências. Provavelmente, os astros já eram estudados por nossos ancestrais desde que os primeiros hominídeos desceram das árvores e precisavam se localizar em seus deslocamentos pela Terra. Entretanto, quando analisamos a história da Astronomia, poucas mulheres conquistaram posição de destaque nessa Ciência até o final do Século XIX, quando um grupo de mulheres romperam as barreiras do preconceito e lideraram uma verdadeira revolução feminina na Astronomia. 

Essa história começa quando o Diretor do Observatório do Colégio de Harvard, Edward Pickering, contrata uma imigrante escocesa para trabalhar de empregada doméstica em sua casa. Ela era professora na Escócia, mas juntamente com seu filho, foi abandonada pelo marido pouco depois de se mudarem para os Estados Unidos. Seu nome: Williamina Fleming.

Williamina Fleming

[ Williamina Fleming – Foto: Harvard College Observatory ]

Só que Pickering estava meio frustrado com seus assistentes no Observatório e, chegou a declarar publicamente, que até mesmo sua empregada faria um trabalho melhor. E realmente, ela fez.

Em 1881, Pickering resolveu contratar Fleming para trabalhar no Observatório. Ele a ensinou como analisar os espectros estelares e ela passou a realizar a classificação das estrelas baseadas na sua quantidade de hidrogênio. Em nove anos, Williamina Fleming catalogou mais de dez mil estrelas no Catálogo de Henry Draper. Durante essa pesquisa, descobriu cerca de 310 estrelas variáveis, 10 novas e 59 nebulosas, entre elas, a famosa Nebulosa da Cabeça do Cavalo, que assim como a  maioria das descobertas de Fleming, não foi creditada à ela, e sim à Pickering.

[ Nebulosa da Cabeça do Cavalo é um dos objetos astronômicos descobertos por Williamina Fleming e que ela acabou não recebendo os créditos por isso – Créditos: Marco Burali, Tiziano Capecchi e Marco Mancini ]

Mas algo que a história não pôde apagar da biografia de Williamina Fleming é a sua importância como precursora do grupo de mulheres que ficou conhecido como “As Calculadoras de Harvard”.

Isso porque, mesmo antes dos grandes feitos de Fleming, Pickering percebeu que contratá-la foi um grande negócio. Ela conseguia desempenhar muito bem as atividades no observatório, melhor até do que seus assistentes, mas recebendo apenas uma fração do que ganhavam os homens. Então, em 1886, quando o Observatório de Harvard recebeu uma generosa doação da viúva do médico e astrônomo amador, Henry Draper, Pickering resolveu montar uma equipe apenas de mulheres, e colocar Williamina Fleming no comando delas. 

Naquele tempo, aquilo quebrava uma série de paradigmas e, de maneira geral, não foi muito bem recebida pela sociedade. Achavam que mulheres não tinham a mesma vocação para a Ciência e que deviam se dedicar aos cuidados com o lar. Tanto que aquela equipe era chamada, pejorativamente, de “Harém de Pickering”. 

[ As Calculadoras de Harvard em frente ao prédio do Observatório do Colégio de Harvard em 1913. Na linha de trás, da esquerda para a direita: Margaret Harwood, Mollie O’Reilly, Edward Pickering, Edith Gill, Annie Jump Cannon, Evelyn Leland (atrás de Cannon), Florence Cushman, Marion Whyte (à frente de Cushman), Grace Brooks. Na linha de frente, Arville Walker, possivelmente Johanna Mackie, Alta Carpenter, Mabel Gill e Ida Woods – Foto: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics ] 

Mas o que nem Pickering, nem aquela sociedade machista podiam imaginar é que, naquele grupo, surgiriam algumas das mentes mais brilhantes da época, e que revolucionariam a Astronomia no início do Século XX.

Antonia Maury

Entre elas, estava Antonia Maury, filha de mãe brasileira e pai americano, e ainda sobrinha de Henry Draper. Maury era formada em Física, Astronomia e Filosofia, e quando foi trabalhar no Observatório de Harvard, ficou responsável pela classificação das estrelas baseada nos seus espectros. Ela percebeu que seria importante aprimorar o sistema de classificação criando novas sub-categorias. Pickering não gostou muito da ideia e acabou ignorando a pesquisa de Maury. 

Mais tarde, seu trabalho foi considerado brilhante por outros astrônomos e Pickering ainda foi “zuado” por seus colegas por não ter dado a devida importância ao trabalho de Antonia Maury. Em 1943, ela foi laureada com o Prêmio Annie Jump Cannon de Astronomia, pela Sociedade Astronômica Americana. 

Annie Jump Cannon

Annie Jump Cannon, por sinal, foi outra das Calculadoras de Harvard a se destacar com a classificação estelar. Cannon era formada em Física e Astronomia e começou a trabalhar analisando as estrelas mais brilhantes do Hemisfério Sul. Ela também percebeu a necessidade de aprimorar essa classificação, e foi então que ela criou o sistema de classificação espectral que foi posteriormente adotado pela União Astronômica Internacional (com alguns ajustes) e está em vigência até hoje. Mas o método desenvolvido por ela não ficou conhecido como “Método de Cannon”, e sim, como “Método de Harvard”.

Annie Jump Cannon classificou cerca de 350 mil estrelas, mais do que qualquer outro ser humano na face da Terra. Também descobriu 300 estrelas variáveis, 5 novas e 1 estrela binária. Ela foi a primeira mulher a assumir um cargo eletivo na Sociedade Astronômica Americana, a primeira a receber a Medalha Henry Draper e um doutorado honorário na Universidade de Oxford, além de vários outros prêmios e homenagens mais que merecidas. E entre suas colaboradoras no Observatório estava a jovem astrônoma inglesa Cecilia Payne.

[ Calculadoras de Harvard em uma das salas de computação de dados do Observatório em 1891. Nem todas podem ser identificadas nessa foto, mas a terceira da esquerda para a direita é Antonia Maury, em frente ao gráfico de de brilho de Beta Aurigae, que ela descobriu ser uma estrela binária. Em pé, ao lado do gráfico está Willamina Flaming, que comandava a equipe. A que aparece sentada, à frente provavelmente é Eve Leland e a última do lado direito, parece ser Florence Cushman – Foto: Harvard University Archives / HUPSF Observatory ]

Cecilia Payne

Cecilia Payne concluiu a faculdade de Física e Química na Universidade de Cambridge em 1923, mas não recebeu o diploma porque ela era mulher e por lá, as mulheres só passaram a ser diplomadas em 1948. Foi então que ela se mudou para os Estados Unidos e iniciou o programa de graduação no Observatório de Harvard. 

Lá, ela não só conquistou seu diploma em Astronomia como também se tornou uma das mais importantes Calculadoras de Harvard. Ela utilizou os dados coletados por Annie Jump Cannon como base de sua tese de doutorado, considerada a mais brilhante tese de doutorado jamais escrita na Astronomia. 

Payne mostrou que a grande variação nos espectros das estrelas se deve às suas temperaturas e não composições. Ela percebeu que o Hélio e principalmente, o Hidrogênio eram os elementos mais abundantes nas estrelas e no Universo.

Só que quando o astrônomo Henry Russell avaliou aquela tese, desencorajou Payne a publicá-la porque ela contrariava um conceito vigente na época de que o Sol teria uma composição química semelhante à da Terra. Mais tarde, ele chegou à mesma conclusão que Payne, só que por outros meios. E ele sim publicou a teoria e acabou levando os créditos pela descoberta.

Henrietta Leavitt

Por fim, é preciso destacar o trabalho de Henrietta Leavitt. Ela foi designada por Pickering para estudar estrelas variáveis, que era um assunto de interesse já há algum tempo. Só que Pickering não imaginava que daquele trabalho sairia uma das mais importantes descobertas astronômicas do século. 

Enquanto estudava as Nuvens de Magalhães, Leavitt catalogou 1777 estrelas variáveis e percebeu que algumas delas, as chamadas cefeidas, tinham um período de variação bem determinado e proporcional à luminosidade média da estrela. Henrietta Leavitt propôs então um método para se calcular grandes distâncias no Universo a partir da observação do período e da luminosidade de estrelas cefeidas. 

[ Parte das mulheres do Observatório de Harvard em 1918. Da esquerda para a direita, Grace Brooks, Hannah, Henrietta Leavitt, Mollie O’Rielly, Mabel Gill (ou Edith Gill), Alta Carpenter, Annie Jump Cannon e possivelmente Dorothy Black – Foto: Harvard University Archives ]

Este método foi utilizado por Edward Hubble para calcular a distância de “nebulosas espirais” e perceber que elas, na verdade, eram outras galáxias e estavam infinitamente mais distantes do que se imaginava. O trabalho de Henrietta Leavitt era tão genial que ela só não ganhou o Prêmio Nobel por ele porque acabou morrendo cedo demais, em 1921, 3 anos antes de ser considerada para o Nobel pela  Academia Real das Ciências da Suécia.

Elas abriram as portas da Ciência para as Mulheres

Mesmo considerando que a principal motivação para a formação das Calculadoras de Harvard ter sido os baixos salários pagos às mulheres, a formidável equipe feminina do Observatório do Colégio de Harvard provocou uma verdadeira revolução na Astronomia. 

[ As Mulheres do Observatório de Harvard em 1925. Da esquerda para a direita, na linha de trás, Margaret Harwood, Cecilia Payne, Arville Walker, Edith Gill. Na linha do meio,  Lillian Hodgdon, Annie Jump Cannon, Evelyn Leland, Ida Woods, Mabel  Gill e Florence Cushman. Sentadas, na linha de frente, Agnes Hoovens, Mary Howe, Harvia Wilson, Margaret Walton e Antonia Maury – Foto: Harvard University Archives / HUPSF Observatory ]

Certa vez, perguntaram à Henrietta Leavitt o que faziam todas aquelas mulheres no Observatório de Harvard. Ela respondeu: estabelecendo as fundações da Astrofísica do Século XX. E de fato, foi isso que elas fizeram, mas também fizeram mais.

Todas elas sabiam que, ao trabalharem com a Ciência, estavam quebrando tabus e afrontando uma sociedade majoritariamente patriarcal. Elas sentiam na pele o preconceito, as diferenças de tratamento e sofriam com o apagamento histórico de parte de suas descobertas. Não à toa, muitas delas participavam de movimentos feministas, pedindo igualdade de direitos. 

E se hoje podemos nos orgulhar de nossas Nancys, Yedas, Duilias e Rosalys, parte disso nós devemos às Calculadoras de Harvard, que além de abrir as portas da Ciência para as mulheres, inspiraram, e continuarão a inspirar várias gerações de meninas e mulheres a seguirem uma carreira na Ciência, ou onde elas quiserem.

Olhar Digital

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