“Ocupar-se e viver ou ocupar-se de morrer”. Esta frase foi dita por Andy Dufrasne, personagem vivido por Tim Robins no clássico do cinema “Um Sonho de Liberdade“, ao amigo “Red”, interpretado por Morgan Freeman, numa das cenas decisivas da história. A mesma frase norteou os últimos meses de vida da empresária Juliana Carvalho Lopes, de 45 anos, que antes de morrer, no último dia 4 de março, viveu como poucos em Londrina, no Norte do Paraná,
Em uma carta emocionante (leia a ´integra no final deste texto), escrita por ela antes de morrer, mas distribuída e lida à sua família apenas na sua cerimônia de despedida, O câncer pode ter sido a causa de sua morte, mas certamente não foi a “causa” da sua vida, especialmente em seus últimos capítulos. Neles, a empresária ocupou-se de viver intensamente familiares, amigos, experiências e o amor de sua vida, Mário Antunes, com quem vivia há 32 anos (começaram a namorar ainda na adolescência) e os dos filhos, Gabriela e Enzo.
“Li, certa vez, que “o luto é o preço do amor”. Eu, só posso agradecer o tanto de amor que vocês me dedicaram. E desejar que vocês, meus amados e amadas, vivam esse luto, do jeito mais leve e alegre que vocês puderem, assim como eu levei a vida.”, disse Juliana, em um dos trechos do emocionante relato.
À exceção do dia em que recebeu o diagnóstico (câncer no intestino) e chorou, Juliana escolheu viver. E amar. “Durante o tratamento, passei por muitas fases aqui dentro de mim. E, felizmente, encontrei as minhas próprias ferramentas psíquicas para lidar com o câncer e com as pessoas da minha vida. E fui sustentada pela força, o afeto, a parceria e o amor de vocês, cada um à sua maneira”, disse em outro trecho.
Unindo a família
Pela correria do dia a dia e até por briguinhas política, a família estava mais distante do que a maioria gostaria. Mas as palavras de Juliana serviram também para apertar os laços de amor e admiração de todos os parentes.
“O orgulho e a admiração cresceram exponencialmente nos últimos quatro anos, quando ela enfrentou com tremenda força e incrível serenidade uma doença tão estigmatizada quanto o câncer. Ela deu exemplos de amor à vida e aos próximos a cada dia. Nunca escondeu as agruras do tratamento, sempre compartilhando com textos inspiradores os momentos bons ou maus por quais ela passou”, disse jornalista Luciano Balarotti, primo de Juliana.
A carta de despedida foi apenas mais um dos bons atos de Juliana. “No meio de uma família grande, cheia de primos, a Juliana sempre teve algo de diferente. Nas palavras da mãe dela, minha prima-irmã Márcia, ela “sempre foi revolucionária e com absoluta discrição. Foi espalhando ideias, posições, atitudes, valores humanizados em tudo, muita alegria, irreverência contra as hipocrisias da vida, amorosa ao extremo”, acrescentou Balarotti.
Quando soube do diagnóstico definitivo, alguns meses atrás, Juliana escolheu ser feliz e aproveitar cada minuto de vida que tinha pela frente. “(Ela) reuniu amigos e uniu a família em torno dela, lidando com uma leveza inspiradora com esses momentos de despedida”. Aliás, na segunda-feira de Carnaval, ela organizou uma grande festa para amigos e parentes. A sua festa de despedida.
“Infelizmente eu não consegui participar presencialmente desses momentos e nem tive a oportunidade de comparecer ao velório, quando ela nos presenteou com essa mensagem emocionante. Mas a mensagem foi reconfortante a todos os que a amam, porque ela ensinou que esse sentimento é eterno”, disse o primo. “Uma despedida que é a essência de tudo o que ela foi e sempre será para cada pessoa que a conheceu”.
Leia, a seguir, a carta deixada por Juliana.
‘Minha despedida’
“A minha hora chegou. E tá tudo bem, gente. Tive a oportunidade e o privilégio de me preparar pra ela. Me redescobrir e receber o melhor das pessoas. Essa é uma despedida honesta e, absolutamente, grata. A despedida de uma vida linda, cheia de sentido, de amor e das pessoas mais especiais que eu poderia ter tido o privilégio de conviver. Minha família, minhas amigas e amigos e tanta gente, que apesar da pouca intimidade, se fez tão presente, com gestos, palavras, orações, força.
Durante o tratamento, passei por muitas fases aqui dentro de mim. E, felizmente, encontrei as minhas próprias ferramentas psíquicas para lidar com o câncer e com as pessoas da minha vida. E fui sustentada pela força, o afeto, a parceria e o amor de vocês, cada um à sua maneira. E passei a tentar compreender os sentimentos e emoções das pessoas que me cercam, me atrevendo a entender e experimentar, da forma objetiva, racional, mas também, empática, o que sente o outro. Pra mim, funcionou, espero que pra vocês também. Uma certeza, morri cheia de gratidão no coração e cercada das melhores pessoas.
Aliás, se eu puder deixar um pedido, desmistifiquem o câncer ou outra doença grave. Desmistifiquem a morte, afinal, ela é o maior clichê da nossa vida. Meu objetivo, desde o meu diagnóstico foi desmistificar a doença, o processo e o fim da vida. Acho que funcionou, vocês entenderam e eu vivi os últimos anos com dignidade e alegria apesar do câncer. E como eu sempre repetia – com todo respeito a dor e a maneira que cada um tem de lidar com seus perrengues – é possível, sim, ser feliz com câncer. Eu fui.
Um recadinho para quem me acompanhou no trecho: Sei humildemente que sentirão saudades da minha presença, das minhas patifarias, da nossa convivência, eu já estou… Mas, espero que se apeguem as nossas pequenas lembranças, nossos momentos de alegria e risadas, nossas trocas. Construam nossas memórias. Espero ter deixado material pra isso. Para carregarem um pouquinho de mim em cada um de vocês (só a parte boa!), mas com alegria, sem drama. Vocês sabem que drama nunca foi meu forte.
Li, certa vez, que “o luto é o preço do amor”. Eu, só posso agradecer o tanto de amor que vocês me dedicaram. E desejar que vocês, meus amados e amadas, vivam esse luto, do jeito mais leve e alegre que vocês puderem, assim como eu levei a vida.
Sabe qual é a maior homenagem que vocês podem fazer a mim? É honrar as suas próprias vidas, com honestidade nas relações, alegria, integridade, empatia, amor e muita diversão, claro! Aliás, depois da minha despedida, se juntem e vão tomar um chopp, ouvindo um samba e falando bem de mim. O da minha mãe é escuro.
Eu deixo chorarem a minha partida, faz parte. Mas, acima de tudo, celebrem a minha vida. Estou em paz. Fiquem também”.Juliana Carvalho lopes