Por Maraci Sant’Ana*, no Correio Brazilense
Recebi do meu amigo Stélio um vídeo em que Lewis Capaldi, premiado cantor, guitarrista e compositor escocês, teve uma crise de Tourette enquanto se apresentava em Frankfurt no mês passado e teve o show salvo pelos fãs que, percebendo a impossibilidade dele, seguiram com a música de onde ele havia parado.
A plateia deu um verdadeiro espetáculo, cantando em um coro comovente! E o artista pôde relaxar, manter-se no palco e reassumir a apresentação. A isso chamamos empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, sentir suas dores sem críticas, sem julgamentos, sem rótulos. Foi muito bonito de se ver. Naquele momento, o ídolo não era apenas um grande artista, era uma pessoa precisando de apoio, como todos nós, pobres mortais, em tantos momentos difíceis da vida.
E aí alguém pode se perguntar – Será que, se ele não fosse um ídolo pop, branco, europeu, teria sido tratado desse jeito? Não sei dizer e nem gosto de fazer esse tipo de exercício. Pode até ser que não fosse, mas não gosto de embaçar meu olhar com suposições do mal. Pra mim, o que importa é que ele foi apoiado. Porque creio que o ser humano está melhorando, evoluindo e que o que houve com Capaldi em breve deixará de ser uma situação digna de nota por ser absoluta e extraordinariamente corriqueira.
Mas isso nada tem a ver com enfiar a cabeça num buraco, como um avestruz, como dizem. Mesmo porque essa ave não faz essa manobra para não ver o que não quer, ela encosta a cabeça no chão para detectar se algum predador se aproxima e se defender. Uma medida pra lá de inteligente, bem diferente de só ter olhos para coisas boas, como se vivêssemos em um paraíso cor de rosa. Porque o mundo real ainda não é assim, lamentavelmente, graças a nós mesmos.
Um triste exemplo disso foi o caso das 207 pessoas contratadas para a colheita de uvas em Bento Gonçalves que eram mantidas em situação degradante, espancadas e agredidas com spray de pimenta e choque elétrico. Elas eram forçadas a trabalhar exaustivamente, recebiam comida estragada e só podiam fazer compras, que eram debitadas de seus parcos salários, em um mercadinho que vendia produtos a preços exorbitantes, o que as mantinha em eterno débito.
É estarrecedor saber que isso ainda existe. E, o pior, que ainda existem muitos e muitos casos como esse, em que todo mundo sabe, mas finge não saber, não ver, não ouvir, inclusive autoridades que deveriam estar atentas para coibir esses e outros absurdos. Foi preciso que três trabalhadores conseguissem, arriscando-se a serem mortos, fugir e denunciar.
Não preciso dizer que, nesse caso de Bento Gonçalves, a empatia com gente que estava trabalhando duro, que tinha deixado suas cidades e famílias para ganhar o seu sustento, trazendo lucros ainda maiores para seus empregadores, cedeu lugar ao egoísmo, ao desprezo ou no mínimo à indiferença conivente de quem, mesmo sabendo o que acontecia naquelas vinícolas, não moveu nem uma palha por aquelas pessoas.
Que vergonha, meu Deus! Que tristeza! Que o Rio Grande do Sul, o Brasil como um todo, consiga dar a resposta que todos merecemos nesse caso. Que os culpados e os omissos sejam punidos exemplarmente. Que isso tudo sirva de exemplo para que outras denúncias e providências efetivas aconteçam ao menor sinal de barbárie.
Porque uma pessoa é muito mais do que os sintomas de uma doença por ela enfrentada, como no caso de Lewis Capaldi, e muito mais do que a cor da sua pele, sua origem, seu nível de instrução ou o trabalho que ela desenvolve, como no caso da vinícola de Bento Gonçalves. Uma pessoa é uma pessoa. E isso por si só deve ser o bastante sempre!
Força, pessoal! Continuem acreditando! Vamos conseguir! Já estivemos bem mais longe. Quem quiser assistir ao vídeo do Lewis Capaldi, basta clicar AQUI.
*Maraci Sant’Ana