Por Jonas Rabinovitch*, na Gazeta do Povo
Curiosamente, isso depende de percepções e definições. Segundo o Relatório de Segurança Humana da ONU 2022, a sensação de segurança e proteção das pessoas agora é baixa em quase todos os países, incluindo nos países mais ricos, apesar dos anos anteriores de sucesso em desenvolvimento humano. O relatório examinou um conjunto de ameaças que se tornaram mais proeminentes nos últimos anos, incluindo tecnologias digitais, desigualdades, conflitos e a capacidade dos sistemas de saúde de enfrentar novos desafios, como a pandemia de Covid-19.
Por outro lado, em termos de desenvolvimento humano, o mundo evoluiu: diminuímos mais a pobreza nos últimos 50 anos do que nos 500 anos anteriores. Há apenas 150 anos atrás, qualquer economista diria que um mundo sem escravidão seria economicamente inviável. Mais curiosamente ainda, diferentes culturas, religiões, teorias econômicas, filosofias e organizações têm conceitos variados sobre o caminho a ser seguido para se atingir a paz.
A cada início de ano, desejamos um Feliz Ano Novo com muita paz para todos e a esperança se renova. Curiosamente, perguntamos: sempre fomos tão violentos? Ou houve algum momento na história quando o mundo realmente teve paz? Segundo alguns, em 4.5 bilhões de anos de existência do planeta tivemos paz durante 99.99% do tempo. As guerras começaram há “apenas” 150 mil anos atrás quando surgiu o homo sapiens.
Ironia à parte, em seu magnífico estudo Lições da História, o casal Will e Ariel Durant concluiu em 1968 que nos 3.421 anos anteriores houve apenas 268 anos nos quais não houve guerras. Ou seja, estatisticamente, para cada ano de paz tivemos aproximadamente nove anos de guerra nos últimos milênios. Mas o mundo está melhorando ou piorando?
Curiosamente, isso depende de percepções e definições. Segundo o Relatório de Segurança Humana da ONU 2022, a sensação de segurança e proteção das pessoas agora é baixa em quase todos os países, incluindo nos países mais ricos, apesar dos anos anteriores de sucesso em desenvolvimento humano. O relatório examinou um conjunto de ameaças que se tornaram mais proeminentes nos últimos anos, incluindo tecnologias digitais, desigualdades, conflitos e a capacidade dos sistemas de saúde de enfrentar novos desafios, como a pandemia de Covid-19.
Por outro lado, em termos de desenvolvimento humano, o mundo evoluiu: diminuímos mais a pobreza nos últimos 50 anos do que nos 500 anos anteriores. Há apenas 150 anos atrás, qualquer economista diria que um mundo sem escravidão seria economicamente inviável. Mais curiosamente ainda, diferentes culturas, religiões, teorias econômicas, filosofias e organizações têm conceitos variados sobre o caminho a ser seguido para se atingir a paz.
O Budismo acredita que a paz universal pode ser atingida a partir da paz interior de cada um, com base no conceito de ahimsa (não-violência). O Cristianismo entende que a paz pode ser conquistada através do amor a Deus, conforme demonstrado pela vida de Cristo. O Hinduísmo vislumbra o mundo como uma grande família, sendo a paz atingida pela eliminação de diferenças na mente de cada um. O Islamismo significa paz conforme definido no Corão como “Dar as-Salaam” (lugar de paz), a partir da submissão aos preceitos de Allah. O Judaísmo defende um caminho para a paz através da ideia de Tikkun Olam (consertar o mundo), entendendo que judeus seriam responsáveis não apenas por seu próprio bem-estar moral, espiritual e material, mas também pelo bem-estar da sociedade como um todo.
Tudo isso é muito bonito, mas a História mostra que os problemas começam quando fanáticos de todos os lados se sentem no direito de guerrear em nome de seus respectivos deuses.
No front político-econômicoa situação não é muito diferente. Baseada em ideias do filosofo alemão Kant, a teoria da paz democrática postula que democracias bem estruturadas evitariam se envolver em conflitos armados com outras democracias. Os defensores do Cobdenismo (a partir do economista inglês Richard Cobden) afirmam que, ao remover as tarifas e criar o livre comércio internacional, as guerras se tornariam impossíveis porque o livre comércio permitiria relações positivas de interdependência entre países.
A visão capitalista da paz, também chamada de “paz comercial”, foi defendida por autores como a filósofa russa naturalizada americana Ayn Rand: segundo ela, o capitalismo havia propiciado os mais longos períodos de paz na História, já que as maiores guerras teriam sido iniciadas por países com economia mais centralizada contra países democráticos. Já o Marxismo, pelo contrário, vislumbrou a paz mundial através de uma revolução comunista mundial – na qual a propriedade privada e as duas classes sociais (burguesia e proletariado) seriam abolidas. Não é curioso como as diferenças entre os diversos caminhos para a paz parecem vislumbrar um claro caminho para vivermos em guerra? Por que será?
A resposta também é político-econômica: em 2021, os gastos militares mundiais ultrapassaram a marca de dois trilhões de dólares pela primeira vez, atingindo US$ 2.1 trilhões. Se há dúvidas sobre possíveis caminhos para a paz, temos certeza de que gastos militares têm aumentado constantemente ano após ano. A sigla em inglês MAD (Mutually Assured Destruction) é uma doutrina militar amplamente aceita postulando que o pleno uso de armas nucleares resultaria seguramente na destruição total de todas as partes envolvidas. Então, a existência de armas nucleares seria finalmente uma solução para a paz? Não, porque é muito difícil desmantelar com flores uma indústria de trilhões de dólares.
Outra curiosidade: os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia – estão entre os dez países que mais exportam armas pelo mundo afora. Que fique claro: a culpa não é da ONU, mas possivelmente de alguns de seus países membros. Em seu livro Como a Loucura Mudou a História, Christopher J. Ferguson mostra como governantes maníacos, narcisistas e psicóticos definiram rumos da humanidade – de Alexandre a Vladimir Putin, passando naturalmente por Hitler e Stalin.
Podemos fazer alguma coisa sobre tudo isso? Provavelmente não, mas que tal começar a promover harmonia a partir de sua família, amigos e vizinhos? Promova pílulas de paz: ceda a vez, proteja quem merece, brigue menos na próxima reunião de condomínio, elogie sempre, evite hipocrisia, engula o orgulho, ligue para aquele parente sumido, entenda que no final do jogo todas as peças acabam na mesma caixa. O Facebook está cheio de conselhos sobre isso.
Tivemos um período de festas com paz na maioria dos países. Em cada casa, o Papai Noel pode ter sido mais rico ou mais pobre, mas ninguém têm dúvida que o maior tesouro que todos temos ainda são nossa família e nossos amigos. Gandhi já sugeriu: “seja a mudança que você quer ver no mundo”. Mesmo assim, foi acusado de ser racista, pedófilo e acabou vítima da violência islâmica-hindu que o assassinou. Por tudo isso, não há outro caminho: a paz começa e continua com você.
- Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista tendo trabalhado 30 anos como Conselheiro Sênior da ONU em Nova York.