Amostras de fezes congeladas vêm sendo enviadas para cientistas na Suíça, vindas de diversos lugares do mundo, especialmente as mais ermas, como o interior rural da Etiópia. Para quê enviar esse tipo de coisa de tão longe? Bem, os excrementos podem ter mais importância do que você imagina, já que temos uma grande diversidade de bactérias intestinais — o microbioma —, que influencia no metabolismo, sistema imune e muito mais.
Com as mudanças climáticas, urbanização e industrialização, a diversidade bacteriana dos intestinos humanos está em risco, atualmente passando por uma verdadeira extinção em massa. Amostras vindas de crianças da região pastoral somali da Etiópia, por exemplo, mostram sinais de resistência a antibióticos, mesmo que os infantes nunca tenham tido contato com tais remédios modernos.
Estocando fezes
Por isso, iniciativas como o projeto Cofre da Microbiota (Microbiota Vault project, no original), baseado em Zurique, na Suíça, almeja criar um banco biológico global, uma Arca de Noé microbiana. Já que a dieta afeta em especial a vida dos micróbios intestinais, amostras de populações pastorais estão entre as mais visadas: com um modo de vida bem diferente dos que vivem nas cidades, esses povos usam leite como base da dieta, que acaba rica em ácidos graxos.
Os pastoralistas foram pouco estudados até o momento, no entanto, já que são nômades, levando cabras, ovelhas ou camelos por pastos no leste africano. Isso faz com que tenham pouco acesso a cuidado médico, por exemplo. Na Etiópia, cada vez mais pessoas desse povo têm comprado alimentos como arroz e massas, mudando a composição do microbioma e extinguindo as bactérias que levam em seus intestinos.
O Cofre da Microbiota pode resolver esse problema ao estocar amostras congeladas de pessoas saudáveis, permitindo descongelar e reviver bactérias para cultivá-las e usá-las no tratamento de doenças no futuro. Já há algumas dezenas de bancos de fezes e outras iniciativas de sequenciamento do microbioma humano: o banco de Zurique planeja documentar e publicar os dados disponíveis para facilitar pesquisas internacionais e democratizar a informação científica.
Até o momento, o projeto só possui um freezer no laboratório dos cientistas participantes, e busca um local para armazenar as amostras. Entre os candidatos, há o Banco Global de Sementes de Svalbard, na Noruega, e um abrigo subterrâneo militar reformado nos Alpes Suíços. Além disso, falta aguardar o período de congelamento de amostras passar, já que os cientistas estão estudando o melhor método de preservação a longo prazo.
Em 2 anos, eles descongelarão e sequenciarão a microbiota para ver qual preservará a diversidade com mais eficiência. Quem diria que congelar fezes seria tão útil para a humanidade, não é mesmo?