Pesquisa da CNM mostra que reajuste de 33% para docentes, determinado por decreto federal, só foi aplicado em 27% de 2.277 cidades ouvidas
O reajuste de 33% no piso salarial dos professores anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro, em janeiro, ainda não chegou em todo o país, e a mudança no ICMS pode deixar ainda mais difícil que esse aumento vire realidade.
Pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) realizada no fim de abril mostra que o reajuste de 33% foi dado em apenas 27,5% das cidades consultadas. A pesquisa ouviu 2.777 municípios, o que representa 41% do total do país.
Além disso, a pesquisa mostra ainda que algum reajuste foi concedido por 77,6% dos municípios, mas em 47,1% dos casos foram adotados percentuais diferentes do definido pelo governo federal. Na época, 16,6% informaram que ainda não haviam dado o reajuste e 264 municípios (11,6%) estavam definindo o que fazer.
Dificultando ainda mais esse cenário, a Câmara aprovou um projeto de lei, com apoio do presidente Bolsonaro, que define um teto de 17% para combustíveis e energia elétrica. Conforme O GLOBO mostrou nesta quarta-feira, essa alteração pode gerar um rombo de até R$ 21 bilhões no Fundeb, o principal financiador da educação básica do país. Procurado para comentar a estimativa e os efeitos do projeto no ensino público, o Ministério da Educação ainda não se pronunciou sobre o tema. A matéria ainda vai para o Senado.
O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, avalia que se todos os municípios concederem o reajuste de 33%, o que custaria R$ 31 bilhões, algumas prefeituras vão infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. A pesquisa mostrou que o reajuste poderia comprometer os limites de gastos com pessoal em 25,9% das cidades.
“Hoje quase todo o Fundeb vai para salários. Se houver queda de arrecadação, só piora o quadro”, afirma Ziulkoski, que projeta uma perda total de receitas, se houver limitação do ICMS, de R$ 65,6 bilhões entre os municípios.
A pesquisa da CNM está sendo atualizada e novos resultados serão divulgados na semana que vem. Nos últimos meses, cresceram casos de prefeituras alvo de ações judiciais em função do descumprimento do reajuste. No Ceará, os professores de Barbalha, Beberibe, Crateús, Independência e Morada Nova entraram em greve. Em março, houve paralisação no Recife.
Com um reajuste de 33%, os valores iniciais do professor brasileiro deveriam passar de R$ 2,8 mil para R$ 3,8 mil. Esse reajuste é pago, principalmente, pelos governos estaduais e municipais, que concentram a grande maioria dos professores e escolas públicas do Brasil.
Um levantamento do Todos Pela Educação de 2020, com base nos dados do IBGE, mostra que os professores da rede pública estão entre as categorias profissionais mais mal remuneradas do país. De acordo com o relatório, os docentes ganhavam apenas 78% da média recebida por outros trabalhadores com ensino superior.
Além disso, o salário do professor brasileiro é um dos mais baixos do mundo. Um relatório divulgado em setembro pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou que a média de remuneração dos docentes dos anos finais do ensino fundamental é a menor entre 40 países analisados.
Em abril, a pesquisa da CNM identificou ações judiciais contra 157 municípios. Na visão de especialistas, o cenário de contestações judiciais e paralisações pode se agravar com uma aprovação do teto para o ICMS.
“Apesar de necessário para a educação, o reajuste já seria difícil para vários municípios e estados. Agora, se houver queda de arrecadação, vai ser ainda mais forte o aperto nas receitas. Como vão aumentar o piso sem aumento significativo dos recursos do Fundeb?”, questiona Tassia Cruz, professora da FGV e gerente executiva do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais.
Tassia considera que o novo piso foi aprovado após poucos debates e estudos. A especialista alertou que, além da possibilidade de o Fundeb perder recursos, os repasses federais que não fazem parte do fundo vinham em queda. Desde que o Novo Fundeb foi aprovado, outras transferências acabaram reduzidas, em função da lei do teto de gastos.
“Com o novo Fundeb, o governo federal anunciou que estava aumentando os gastos com a educação, mas isso não ocorreu na prática. Os recursos que não entram na manutenção e desenvolvimento do ensino básico, portanto via Fundeb, foram diminuídos, como a verba para o programa de alimentação escolar. Agora, o próprio fundo poderá ser reduzido”, destaca Tassia, para quem é preciso haver mais debates sobre novas fontes de arrecadação para a educação. “Espero que a nova proposta não passe, mas precisamos trazer esse debate à tona.”
O GLOBO procurou municípios e estados para saber o possível efeito no piso salarial e em outros aspectos do ensino caso seja aprovado o projeto que define um limite de 17% na alíquota do ICMS para combustível e energia. Manaus, Cuiabá e Rio informaram pagar um piso acima do valor federal para os professores.
No caso da capital da Amazonas, o reajuste foi de 40,13%; em Cuiabá, a correção foi de 15,2%. A prefeitura do Rio informou que todos os professores passaram a receber acima do piso a partir de abril, mas o município estima perdas anuais de R$ 415 milhões se o projeto de mudança do ICMS for aprovado, dos quais R$ 230 milhões seriam relativos ao Fundeb.
O governo de Pernambuco informou que as perdas estimadas com o teto do ICMS chegarão a R$ 4,7 bilhões, e R$ 1,08 bilhão somente para o Fundeb. O governo da Bahia estimou R$ 4,7 bilhões de perdas totais, dos quais R$ 892 milhões na educação.
Arrecadação
O valor do piso do magistério é calculado com base na comparação do valor aluno-ano do Fundeb. A aprovação do Novo Fundeb, no fim de 2021, influenciou no cálculo de reajuste, o que foi contestado por parte dos municípios e estados. Tassia Cruz avisa que uma redução de arrecadação do Fundeb pode gerar novos questionamentos jurídicos:
“Se a arrecadação com o ICMS se reduz, esse bolo total reduz”, alerta.
Coordenadora da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda diz que o valor de reajuste já está pacificado, por constar em lei federal.
“É possível que tenhamos um impacto no financiamento de salários, formação continuada, e condições de trabalho desses profissionais”, afirma ela, que critica o projeto que muda o ICMS e defende o piso. “A diferença entre o piso do magistério e o do Dieese já é de R$ 2.166,55. Os profissionais ganham R$ 2 mil a menos do necessário.”
Via: Último Segundo/IG (com Agência O Globo)