Negociando com meus filhos: Como estabelecer limites e acordos que funcionem?
Psicóloga dá 7 dicas para estabelecer acordos e negociar com crianças para uma educação mais harmoniosa e construtiva, sem violência.
Disciplina pela regra, autoritarismo, castigos ou negociações? Se antes negociar com a criança era visto como “frescura”, as gerações mais novas de pais conseguem perceber que a máxima do “um manda e o outro obedece” não ajuda na dinâmica familiar.
Só que não ajuda, também, perder a noção de que existem limites, de que há, em casa regras e combinados fazem bem em serem estabelecidos e seguidos. Então, como ter esse equilíbrio? Como não ser um pai que distancia relações ao impor uma dinâmica e também não fazer de casa um ambiente sem consequências e aprendizados?
Eu conversei com a Carla Zuquetto, psicóloga e mãe de uma filha, para me ajudar a entender como podemos desenvolver boas negociações com os filhos:
“Quando penso em negociação com as crianças, penso em olhar para elas como sujeito de direitos.” Nestes 10, 12 anos da infância estamos formando pessoas adultas que, se não souberem fazer suas escolhas e arcarem com as consequências delas, terão dificuldades em fazê-las quando adultas.
“Eu não posso pegar a criança e querer que ela seja autônoma com dezesseis, dezessete anos. Pronto, agora você é autônoma, você escolhe seu curso, o que você vai fazer da sua vida, seu vestibular (pensando aqui numa vivência de classe média). A criança não sabe escolher e isso vai gerar uma angústia tremenda. Inclusive, aposto que parte da angústia com o vestibular vem desse lugar”.
Carla explica que se a gente exercita isso com a criança desde pequena, fica tudo mais fácil.
É possível, hoje, olhar para os filhos como pessoas que escolhem, que têm que exercer a autonomia delas dentro do que é possível para uma criança. Mas como?
Falta referência para esse processo porque a gente não aprendeu bem a fazer isso.
“Eu tenho que negociar com uma criança de seis anos e quando eu tinha seis anos ninguém negociava nada comigo”, exemplifica Carla.
Você sabe o que é estabelecer um combinado?
A gente tem a mania de falar “ah, porque eu combinei com a criança que” e, no fim das contas, nunca houve combinado algum. Só uma regra impositiva, uma definição.
A gente faz isso com chefe, esposa, amigos. “A gente combinou de sair às duas da tarde, poxa”. E como foi esse combinado? A gente chega na pessoa e diz “olha, a gente vai sair às duas da tarde, combinado?“ e a pessoa responde com um “combinado”.
A Carla segue esse raciocínio dizendo que isso não é um combinado:
“É uma coisa que você estabeleceu. E não tem nenhum problema nisso, mas é importante diferenciar que combinado é quando duas pessoas combinam. Parece óbvio, mas esquecemos muitas vezes que se trata de um ato coletivo”
Com criança, a gente faz muito dessas imposições achando ser um combinado. Chega no parquinho e afirma ter só dez minutos para brincar e, quando a criança contesta, é limada. A Carla avança: “Isso não é um combinado. É uma regra e, com criança, pode ser uma regra. “Eu tenho esses dez minutos”. Mas, se você tem mais tempo, dá para sentar e discutir”.
A grande questão é não chamar regra de combinado, porque não é. Quando for um combinado, combine. Haverão as regras, haverão os “Não” , mas ao impor um limite, uma regra, não é preciso sem ser autoritário ou ameaçador:
“Eu acredito muito na educação pela gentileza. Eu posso ser gentil e acolher a frustração da criança quando eu falo não.[…] “Não, não é pra ficar triste”. Se ela quiser ficar triste porque eu falei que não pode ir no parquinho, ela vai ficar triste e tem todo o direito de ficar triste. E eu vou lidar com a tristeza dela”.
Algumas práticas para criar melhores negociações e combinados:
1. Entender quem é o adulto da relação:
O adulto da relação tem que se comportar como o adulto da relação. “Ah, a minha filha rejeitou a minha comida e fiquei muito chateada”. Ela é uma criança. Ela não rejeitou sua comida por algum motivo pessoal, por algum problema que ela tem com você. Ela rejeitou o prato porque não queria comer naquele momento. Não é nada pessoal.
É importante não sermos crianças com as crianças quando se trata de combinados e regras. Descontar frustrações, achar que o mundo está contra nós, que uma maré de azar atingiu em cheio os nossos lares. Lidar com maturidade nas relações com os filhos é ajudar as crianças com o próprio desenvolvimento, com o lidar até com os próprios sentimentos. A gente ajuda. A gente acolhe.
2. Na hora de comer: diferenciar regra de combinado
Saber o que é regra (tem que comer três, cinco refeições no dia) e o que é combinado.
“Eu determino o que e quando. Minha filha escolhe quanto e como. Vai ter arroz, feijão, abobrinha e carne moída para o almoço. Ela faz o prato, come quanto quer do que quiser. Ficou com fome uma hora depois? Só tem fruta no lanche daqui a uma hora. Confiar na percepção de fome/saciedade (neste recorte, estamos falando de uma criança saudável). E doce eu regulo a oferta do que tem em casa, pra não precisar ficar negando (inclusive pra mim)”.
3. Nas tarefas de escola os combinados são limitados:
Fazer a tarefa é regra, tem que ser feito. A negociação pode ficar por conta de quais são os horários apropriados e até quando pode ser feito. Por exemplo, não ficar domingo dentro de casa para fazer lição quando poderia estar passeando ou descansando:
4. Aprender a escutar e ensinar a criança a falar
Boa parte do sucesso das negociações depende não só dos acordos que são estabelecidos, mas de uma mudança de cultura na forma como vemos e lidamos com as crianças. A gente precisa aprender a entender os outros.
Segundo a Carla, “quando a gente ouve o que a criança fala, de fato, e a gente respeita essa criança e o que ela tem a dizer. Isso pode ser uma grande bobagem para mim, mas para ela é importante, então, como não é sobre mim, vou escutar com a importância que a pessoa tá pedindo”.
É assim que gente cria um ambiente seguro para ela lidar com as próprias emoções.
Os famosos “pare de chorar”, “isso é bobeira” não ajudam a criança a lidar com o sentimento. A gente pode ajudar dando a palavra para a criança. “Ela desenvolve relação com as emoções dela. Eu tô chateada, eu tô frustrada”. Deixar os filhos se expressarem e estar preparados para ouvir o que não gosta.
E quando uma criança fala que está triste com a gente e a gente leva para o pessoal, ou despreza o sentimento a gente quebra esse ambiente seguro para que os filhos manifestem suas emoções.
“A criança nunca mais vai falar que está triste, vai guardar tudo. E aí vou ter que lidar com uma adolescente que não vai trocar nada comigo. A gente pode ser pessoas de referência, para quem ela pode se abrir, contar, se expressar emocionalmente, falar dos medos. Eu quero ser essa pessoa para minha filha”.
5. Evitar a educação punitiva
“O problema [da educação punitiva] é que a gente ensina a criança mentir. […] Porque, quando a gente fala a verdade, a gente é punido. Um clássico: o menino chega em casa, aos quinze anos, e conta que fez algo errado e reprovável pelo entendimento dos pais, alguma transgressão. E o pai, em vez de perguntar com quem foi, qual foi o contexto, o que levou o filho a fazer o que fez, ele deixa o menino de castigo, dá um baita sermão, a fala violenta.
Sabe quando esse menino vai voltar para falar que fez algo errado de novo? Nunca. Porque ele vai ficar de castigo. A gente tem que ter os combinados, antes, e conseguir acolher quando a criança faz uma coisa errada. e isso é muito difícil, né?
Eu não acredito em punição, eu acredito em consequência. Por exemplo: a filha ou o filho fez pirraça, jogou o controle da televisão no chão, e ele quebrou. Ok, vamos ficar sem controle remoto. Fim. Não é um castigo, mas uma consequência.”
6. Negociar implica em deixar uma opção para a criança.
A psicóloga segue com outro exemplo, que envolve sua relação com a filha:
“Eu sempre levei a Mariana no Theatro Municipal, desde os três anos. Um dos meus limites era sempre saber que, ao levá-la, eu estaria ali para ensiná-la a se comportar dentro do Theatro.
Não era sobre mim. Se fosse para ver uma peça que eu queria muito, para eu prestar atenção, eu não levaria a Mariana. Eu já fui em conserto de adultos com ela e eu expunha […] se ela achasse muito chato, a ponto de não aguentar, ela poderia avisar e iríamos embora. Nunca precisei sair. Ela sempre dormiu no meio.
E não seria uma tragédia sair, não faria sentido dizer que estávamos saindo porque ela não soube se comportar. Às vezes a gente fica tão sobrecarregado pela vida que esquecemos quem é o adulto da relação e aí fica muito difícil de ensinar qualquer coisa pra criança.”
7. Conheça-se e entenda seus valores por trás de cada combinado
Para uma educação menos autoritária, é bem importante que a gente entenda porque fazemos o que fazemos, o que é importante para gente e o que não é.
Quais são nossos limites e o que a gente vislumbra para nosso futuro e o dos nosso filhos.
“Eu não quero criar uma pessoa que vai lá e só aperta o botão, obediente. Eu quero criar um ser humano crítico, que questiona. Se eu quero criar uma pessoa que questione, eu tenho que estar preparada para ser questionada. Às vezes isso é chato. Obedecer, para mim, não é uma regra, não é um valor. Mas ser respeitada, sim. Eu tenho que ser respeitada, assim como ela também deve ser respeitada”.
Saber das próprias frustrações e enxergar caminhos mais complexos com soluções diferentes pedem esse olhar para si dentro de determinados contextos.
Sabendo o que é regra e o que combinado, as crianças tendo espaço para falas e trocas, e todo mundo sabendo bem seu papel – quem é filho e quem é pai, e que mães e pais tão juntos nessa, e não um ajudando a outra”, pode não ser mais fácil, mas fica mais simples.
Cuidado com o “fala com a sua mãe…”
Considerando todos esses esforços de estabelecer limites, a criança precisa de consistência. Por mais que elas saibam navegar entre as diferenças, e façam isso muito bem, é importante que as coisas relevantes tenham concordância mútua entre os pais e não uma transferência de “batata-quente”. Mas dito isso, há acordos menores que são mais possíveis para um dos responsáveis.
A Carla dá um exemplo: “O pai da Mari anda com ela em eventos com multidões de forma tranquila. Eu não dou conta. E aí o limite é meu, não dele”. Há funções que serão executadas com mais serenidade, despreocupação ou segurança com um dos pais. é interessante que haja um combinado (e não uma regra) que beneficie ambos e, mais ainda, que beneficie as experiências dos filhos.
O pai pode atuar mais e melhor
Para que as negociações funcionem bem, os adultos têm de agir como adultos e, nesse ponto, toda sobrecarga vira uma vulnerabilidade. E as mães são especialmente sobrecarregadas.
Quando os filhos pedem, reclamam, trocam atenções, sentem-se chateados ou entediados, tende a ser com a mãe que eles verbalizam. Homens precisam contribuir com a modificação dessa cultura, e não com ordens, “não enche a sua mãe”, mas com um comportamento que fique no fluxo mental das crianças que ele também pode ser demandado.
A Carla acrescenta, ainda, uma pegadinha:
“Homens não fazem tão bem as coisas justamente porque fazem menos. Então, é super importante que homens assumam mais responsabilidades, mesmo que de maneira torta de início, para que aprendam a fazer direito. Assim como aconteceu com as mães!”
Homens, não terceirizem a criação dos filhos de vocês! As mães fazem porque não tem pra quem terceirizar.