Uma mulher que estava grávida contraiu a covid-19 e faleceu uma hora após a filha recém-nascida. O jovem casal, Everton Henório Domingos, de 28 anos, e Adelita Alves Nunes, de 24, estavam esperando a primeira filha. A família morava em Lauro Müler, em Santa Catarina.
O parto da bebê precisou ser prematuro, de 32 semanas. Assim como a mãe, a filha recém-nascida sofreu uma parada cardiorrespiratória e precisou ser entubada.
“Nunca imaginei, ninguém espera. Eu estava confiante que elas melhorariam. Oramos tanto a Deus. Ao mesmo tempo que estávamos aflitos, achávamos que daria tudo certo. Não tem palavras. É um vazio, a gente fica num buraco”, lamentou Everton.
A vacinação para gestantes no município que o casal residia, havia começado na semana anterior do falecimento de Adelita, quando ela já estava isolada com a doença.
Em entrevista à Crescer, Everton contou todos os detalhes do desenrolar dos sintomas e falou sobre a filha recém-nascida, Ana Clara. Confira o depoimento na íntegra:
“Estávamos casados há 2 anos e 2 meses e não estávamos planejando ter um bebê nesse momento, justamente por causa da pandemia. Mas a gente também não se cuidou. Então, pouco antes do Natal, descobrimos que ela estava grávida. Foi uma gestação bem tranquila e Adelita não tinha problemas de saúde. No entanto, há cerca de duas semanas, ela começou com tosse e passou a espirrar muito… Achamos que era apenas a rinite alérgica ou uma gripe, em função do frio, mas ficamos de olho. No dia seguinte, ela já amanheceu com muita tosse, dor no corpo e febril. Então, resolvemos fazer o teste de covid-19 em um laboratório particular. Ela não estava trabalhando, estava em casa e estávamos nos cuidando, mas, em seguida, veio o resultado positivo. Levamos um choque, mas procurei mantê-la tranquila – e achamos que daria tudo certo.
Passamos no médico, ele receitou um tratamento para fazer em casa e já ficamos isolados. Dois dias depois, eu também comecei a ter sintomas. Mas até então, ela estava tranquila, passou a semana se alimentando bem. A orientação era para que diante de qualquer sintoma fora do comum, como perda de líquido, sangramento ou dor, buscássemos um hospital com urgência. Os dias foram passando, perdemos o olfato e o paladar, mas estava indo tudo bem. Estávamos tomando muito líquido e comendo frutas.
No entanto, na madrugada de segunda-feira da semana passada, ela começou a piorar. Passou a sentir um pouco de falta de ar e cansaço. Dormia muito, não conseguia ficar muito tempo em pé e eu comecei a ficar preocupado. Comecei a medir a saturação e a monitorá-la a todo momento. Ela começou a ter dificuldade para se alimentar em função da dor de garganta, então, fomos para o hospital. De lá, ela foi encaminhada para um hospital da cidade vizinha, Orleans, que tem maternidade. Quando chegamos, ela foi examinada e estava tudo bem com o bebê. Foi medicada e a mandaram para casa.
Na quarta-feira, 23, ela acordou ainda mais indisposta ainda. A saturação já começou a oscilar, embora ainda estivesse dentro do parâmetro aceitável. E eu, preocupado, monitorando. No final da tarde, ela teve uma crise de tosse, um pico de febre e começou a perder as forças. Corremos para o hospital. Ela foi atendida rapidamente e reagiu um pouco, mas o médico já avisou que buscaria um hospital com maternidade para transferi-la. No mesmo dia, eles conseguiram uma vaga em um hospital no Morro da Fumaça, um município que fica a 50 km daqui. Ela foi transferida por volta da meia noite, já na madrugada de quinta-feira, 24. Chegando lá, ela foi para o quarto, foi medicada, começou a se alimentar e, na sexta-feira, 25, já acordou melhor. No sábado, 26, pela manhã, ela me ligou dizendo que o hospital tinham liberado um acompanhante no quarto e eu poderia ficar com ela.
Ela estava com medo, mas a todo momento, eu tentava tranquilizá-la. Estava tudo bem, tanto que, segundo os médicos, se ela continuasse reagindo bem, receberia alta em breve. Mas no mesmo dia à noite, ela teve uma piora. A saturação caiu muito, a tosse voltou a aumentar, assim como a falta de ar. Nesse momento, ela já foi para o oxigênio. Os médicos me chamaram fora do quarto e avisaram que estavam buscando uma vaga em UTI. Mesmo assim, eu estava confiante. Daí por diante, ela ficou oscilando. Eu ficava conversando com ela… Às vezes, ela respirava muito rápido e a saturação já caía. Passei a noite em claro cuidando e monitorando. No domingo, 26, pela manhã, a saturação caiu ainda mais, e os médicos decidiram entuba-la e fazer a cesárea, pois ela tava correndo muito risco. Nesse momento, sai rapidamente do quarto, por cerca de 15 minutos e, quando voltei, ela já tinha piorado ainda demais. Médicos e enfermeiras correram dentro do quarto, entubaram e já a levaram para a cesárea. Foi uma correria dentro do hospital. Fiquei assustado, com o coração na mão.
Minha filha nasceu e logo teve uma parada cardiorrespiratória. Então, entubaram ela também. A busca pela UTI continuou, estavam todos empenhados para achar um leito com urgência. E quando finalmente surgiu um em Tubarão, assim que chegou uma ambulância com UTI para levar a bebê, ela teve outra parada, tentaram reanimá-la, mas não conseguiram. Essa foi a primeira notícia triste, no domingo a tarde. Apenas uma hora depois, minha esposa teve uma parada e também não sobreviveu. A diferença foi de apenas uma hora. Nunca imaginei, ninguém espera… Eu estava confiante que elas iriam melhorar. Oramos tanto a Deus… Ao mesmo tempo que estávamos aflitos, achávamos que daria tudo certo. Não tem palavras, é um vazio, a gente fica num buraco. A gente fica perdido… perde a noção de tempo e espaço.
Meu teste já negativou para covid e, quando morreu, minha esposa também já não estava mais com o vírus. No entanto, fiz alguns exames e estou com 20% do meu pulmão comprometido. Estou na casa dos meus pais e, aos poucos, a ficha vai caindo. Foi tudo muito rápido… Mas creio em Deus e vou seguir em frente.”
Luto
O pequeno município catarinense ficou comovido com a morte de Adelita e Ana Clara, a filha recém-nascida. “O Everton vivia um conto de fadas ao lado da esposa. Ele é um trabalhador, rapaz muito religioso, que namorou pouco. Era um casal espetacular. Everton, Adelita e a filhinha Ana Clara, com certeza, iriam formar uma família linda. Eu não consigo imaginar a dor deste rapaz e da família. Só Deus é capaz de acalmar esse coração, eles eram felizes”, disse o radialista Edio Antônio, amigo do casal, à Crescer.
O Hospital São Roque, onde a mãe e a filha recém-nascida foram cuidadas, divulgou uma nota de apoio à família e enfatizando o esforço das equipes responsáveis pelo caso. Veja:
“A paciente gestante (com Covid-19) deu entrada no Hospital de Caridade São Roque no dia 24 de junho. Ela havia positivado no dia 16. Entre os dias 26 e 27, o Hospital de Morro da Fumaça realizou diversas tentativas de transferência da gestante para hospitais de alta complexidade, porém sem sucesso. No dia 27, por volta das 13h, a paciente dessaturou e necessitou de intubação. Meia hora depois a equipe com 4 médicos (incluindo um obstetra) decidiu realizar a cesárea de emergência para preservar a vida da bebê de 32 semanas. A criança nasceu com vida, teve seu exame constatado que não estava com covid-19, porém, durante o processo de transferência para uma UTI Neonatal, teve uma parada cardíaca e não resistiu, mesmo com diversas tentativas de reanimação. Enquanto tentava a transferência da mãe, a equipe médica também tentou por diversas vezes reanimar a mesma, que teve algumas paradas cardíacas durante o período. Ela se manteve com o mesmo estado de saúde, sem progresso até às 19h20 minutos quando entrou em óbito. A equipe do Hospital de Caridade São Roque está desolada, a situação abalou a todos e o clima é de muita tristeza pela perda da mãe e de sua filha de 32 semanas.”.
Com GMC Online