‘Ser mãe foi combustível para passar pela adversidade’, diz mulher que escolheu ficar cega para não abortar
Ser mãe exige renúncias. Mas, em algumas histórias, a vida demanda muito mais de uma mulher que tenta realizar o sonho da maternidade. Márcia Bonfim Vieira foi colocada diante de uma complicada decisão quando tinha apenas 15 anos e buscava a sonhada maternidade.
Em 1993, após alcançar o desejo de engravidar, a paranaense de São João do Ivaí (a 121 quilômetros de Maringá) precisou decidir entre realizar o sonho de ser mãe ou continuar a vida “normal” enxergando. O motivo? Márcia havia sido diagnosticada com uma doença inflamatória nos olhos. Mesmo com opções de reverter a cegueira, para ela, optar pela vida da filha era a única saída correta e óbvia. Não havia escolha. O aborto não era opção.
“Eu ia fazer 15 anos ainda, em dezembro, [mas a gravidez] não me assustou, porque eu sempre quis ter um bebê. Então, fiquei muito feliz na época”, relembra.
A doença que Márcia estava prestes a descobrir havia apresentado os primeiros sintomas logo no início da gestação. Eram dores nos olhos, vermelhidão e uma visão turva. Em aproximadamente dois meses, a então adolescente já tinha perdido praticamente toda a visão.
À época, a falta de recursos na pequena cidade paranaense levou a família de Márcia a procurar ajuda na região. Após a primeira consulta em Apucarana, no mesmo dia, os médicos decidiram transferi-la para Curitiba, onde ficou internada por 12 dias.
Exames e avaliações foram feitos e o diagnóstico: uveíte. “Lá eu descobri que eu estava com uma doença sem origem. Eles não conseguiram achar a causa para a minha perda de visão no momento. Mas já estava muito inflamado e [eu] já não estava enxergando mais nada”, detalha.
Os passos iniciais do tratamento demandaram a ingestão de fortes remédios. Até o momento, Márcia convivia com a evolução da gestação e a esperança de recuperar a visão. No entanto, a falta de respostas dos especialistas para o caso incomum os levou a consultar oftalmologistas americanos que estariam no Brasil naquele ano.
Com a chegada dos médicos – e ela entrando no sexto mês de gestação – surgiu, então, uma boa notícia: os especialistas haviam descoberto um tratamento e gostariam de submetê-la à prática que a devolveria boa parte da visão. “Na hora, eu fiquei muito feliz de estar os ouvindo falar que eu ia voltar a enxergar”.
A alegria completa se dissipou em segundos, assim que a equipe médica explicou as condições para seguir com os procedimentos. “Para a gente fazer esse tratamento, você vai ter que fazer o aborto. Você pode romper essa gravidez para voltar a enxergar. Você vai passar por um procedimento que o feto não vai suportar”.
As palavras significavam que, para que a jovem recuperasse a visão, seria preciso abandonar o maior sonho da vida dela até o momento.
Ao saber da notícia, mesmo ainda desesperada pela condição em que estava, ela decidiu rapidamente não fazer o aborto. “Eu queria ser mãe. Não havia dúvida. É óbvia para mim essa escolha”, enfatiza.
A gravidez seguiu e em julho do ano seguinte chegou o momento tão esperado: o nascimento de Lariane. Para os médicos, ainda restavam preocupações sobre a formação da bebê por causa dos remédios utilizados no início da doença. Mas a criança nasceu sem sequelas.
O parto ocorreu em uma madrugada e, assim que pode ouvir o choro da filha, Márcia questionou a equipe médica para saber como a menina era. Mesmo com a descrição dos profissionais, ela esperava enxergar a filha da maneira que fosse possível. “Eu falei: ‘Eu quero vê-la, tragam para perto de mim, eu quero senti-la’. Ela tinha acabado de nascer e eu lembro que o doutor a trouxe para perto e encostou a bochecha dela na minha. Eu pude sentir o calor vindo dela. Foi lindo, mágico. Eu nem me lembrei que naquele momento eu não estava enxergando mais. Naquele momento, eu pude descobrir que eu poderia ter outras formas de enxergar, além de somente ver”, garante.
“Perder a visão não me bloqueou de enxergar minha filha da minha forma”
Mesmo tão jovem, a vida de Márcia estava mudando drasticamente. A necessidade em lidar com a perda da visão somada à responsabilidade de criar uma filha transformou os caminhos planejados até então. 26 anos depois, a paranaense, hoje com 41 anos, avalia o momento que passou e entende que foi na maternidade que encontrou forças para superar o que viria a ser o maior desafio da vida dela.
“Ser mãe foi um combustível que eu recebi para eu continuar tendo forças para eu conseguir passar por essa adversidade. Eu consegui forças de onde eu jamais imaginava e eu só consegui sendo mãe”, enfatiza.
Márcia considera que pode viver duas vidas: uma antes e outra depois de experienciar a maternidade. “Eu acredito que uma mãe nasce junto ao nascimento do filho. Depois que a Lariane nasceu, no primeiro contato que eu tive com ela, eu pude enxergar o que talvez seja invisível aos olhos. Em nenhum momento a minha deficiência visual me bloqueou de conseguir sentir o amor de ser mãe. A perda da minha visão não foi bloqueio para eu enxergar a minha filha da minha forma”, avalia.
Apaixonada pela vivência da maternidade, Márcia conseguiu reviver emoções ao dar à luz Lorena, a filha caçula, hoje com 5 anos. De acordo com ela, a vida foi preenchida com uma dose extra de felicidade quase 21 anos depois da primeira gestação. “A maternidade é um aprendizado. Eu conheci o verdadeiro amor por meio da maternidade. Pude descobrir e sentir o amor que minha mãe tem por mim e ver o quanto isso é grande. Eu acredito que uma mãe nunca dá menos do que ela tem, ela tenta dar o melhor. Eu fui para a Lariane a melhor mãe que eu pude ser e até hoje eu sou para as duas a melhor mãe que eu posso”.
Por Monique Manganaro, no GMC Online