Covid-19 entre casais: estudo aponta o que faz uma pessoa ser infectada e seu parceiro não
Passado mais de um ano de pandemia, não são incomuns os relatos de famílias nas quais uma pessoa tenha sido infectada com o Sars-CoV-2, mas ninguém mais tenha desenvolvido a doença — embora compartilhassem a mesma casa. É o caso da família Bujokas.
Depois que uma funcionária recebeu o teste positivo para a covid-19, Antonio Bujokas, de 71 anos, decidiu que todo mundo na empresa deveria ser testado, inclusive ele e a esposa, Selma Bujokas, de 63 anos. O único a receber o resultado positivo foi Antonio, que se isolou em casa, embora continuasse trabalhando em esquema de home office.
Com uma leve dor de garganta, Antonio passou 14 dias dormindo, se alimentando e mantendo a rotina longe de Selma, que permaneceu esse período em outros ambientes da casa. Quando se viam, usavam máscaras.
“Usamos máscaras quase que 24 horas por dia. Só quando deitávamos nas nossas camas, cada um em um quarto, tirávamos. Foi bem torturante, mas não aconteceu nada”, conta Selma, que refez o teste RT-PCR (feito com o cotonete e que identifica a presença genética do coronavírus) uma semana depois do primeiro exame, para confirmar que não se tratava de um resultado falso negativo. Mas, novamente, Selma recebeu a negativa para a covid-19.
“Quando completamos os 14 dias de quarentena, nós dois refizemos o teste. O do Antonio já não tinha mais nada, e o meu continuou negativo”, relata.
Fatores genéticos
As explicações para essas diferentes respostas diante do Sars-CoV-2 podem estar nas variações genéticas de cada ser humano, de acordo com um estudo brasileiro publicado na plataforma medRxiv no final de abril, mas ainda não revisado por outros pesquisadores. As informações sobre o estudo foram divulgadas pela Agência Fapesp.
A partir da análise do material genético de 86 casais, em que apenas um dos cônjuges foi infectado pelo novo coronavírus apesar de ambos terem sido expostos, pesquisadores de diferentes instituições no país perceberam que algumas variantes genéticas são encontradas com mais frequência entre as pessoas que demonstraram maior resistência ao vírus.
Essas variações genéticas estariam associadas a uma ativação mais eficiente de um tipo de célula de defesa, as exterminadoras naturais ou NKs. A sigla, em inglês, se refere às natural killers. Essas células são um tipo de leucócitos que fazem parte da resposta imunológica chamada de inata — a primeira reação do organismo diante de uma ameaça, como os vírus.
As NKs, quando acionadas corretamente, são capazes de reconhecer e destruir as células que já tiverem sido infectadas pelo patógeno. Com isso, impedem que a doença se desenvolva.
De acordo com Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco da Fapesp, entre as pessoas mais vulneráveis à covid-19, a hipótese é que variações genômicas levam à produção de moléculas que acabariam inibindo a ativação dessas células NK. “Mas isso é algo que ainda precisa ser validado por meio de estudos funcionais”, explica a especialista, em entrevista para a Agência Fapesp.
Homens mais suscetíveis
Cerca de mil casais entraram em contato com os pesquisadores para fazerem parte do projeto como voluntários, mas apenas 86 eram, de fato, sorodiscordantes. Ou seja, em que apenas um dos cônjuges carregava os anticorpos contra o Sars-CoV-2.
Das histórias curiosas, os pesquisadores relatam o caso de um homem, com mais de 70 anos, que foi hospitalizado por complicações da covid-19, mas a esposa, com a mesma faixa etária, e a sogra, de 98 anos, não tiveram qualquer sinal de infecção. Todos moravam na mesma casa.
Outro caso foi de um homem com 100 anos que testou negativo para a doença, ainda que tenha tido contato com a esposa, de 90 anos, que havia sido contaminada.
Os pesquisadores perceberam ainda que a maioria dos voluntários que eram mais suscetíveis à covid-19 era composta de homens. Foram 53 homens contra 33 mulheres.
Já as mulheres eram mais predominantes no grupo que demonstrou maior resistência. Foram 57 mulheres contra 29 homens.
Como o estudo foi conduzido antes do surgimento das variantes de preocupação, não há como transpor os resultados encontrados para pessoas expostas às novas cepas.
Da Tribuna do Paraná