Após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin ter decidido, em 8 de março, anular todas as condenações do ex-presidente Lula relacionadas à Operação Lava Jato, viralizaram nas redes sociais publicações que garantem que o petista foi “inocentado”. Isso não é verdade.
As decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba foram canceladas porque Fachin considerou que o órgão não tinha competência para julgar os casos, não porque o ministro decidiu que Lula era inocente. Agora, as ações serão avaliadas por uma nova vara – essa sim, com o poder de absolver ou condenar Lula.
“E finalmente veio a Justiça! Lula inocentado e com direitos políticos”, diz uma das publicações, compartilhadas milhares de vezes. Outras versões criticam a suposta decisão: “O Brasil não é para amadores!”, exclamou um usuário.
O ministro do STF Edson Fachin efetivamente anulou todas as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba – antes titularizada pelo então juiz Sergio Moro – em ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Julgando um habeas corpus apresentado pela defesa de Lula em novembro de 2020, Fachin considerou que a 13ª Vara não tinha “juízo competente” para processar e julgar o ex-presidente (2003-2010) nos casos envolvendo o tríplex do Guarujá, o sítio de Atibaia, a sede do Instituto Lula e doações ao mesmo instituto, por avaliar que os fatos apontados não tinham relação direta com o esquema de desvios na Petrobras, investigado pela Operação Lava Jato.
Nesses casos, o ex-mandatário era acusado de aceitar diferentes propinas nas formas de uma cobertura tríplex no Guarujá, de reformas em um sítio que frequentava em Atibaia, de um terreno para a construção da nova sede do Instituto Lula e de doações para a mesma fundação em troca de favores em empresas estatais.
Isso não quer dizer, contudo, que Lula foi considerado inocente dos crimes dos quais era acusado nas referidas ações.
- Inocente? –
“Na verdade, o ministro Fachin, julgando embargos de declaração em um habeas corpus, entendeu que a 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná […] não era competente, do ponto de vista territorial, para processar e julgar os casos”, explicou ao AFP Checamos Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Então, na realidade, ele não inocentou o Lula porque ele não julgou mérito de nada“, acrescentou.
A informação foi reiterada por Michael Mohallem, professor de Direitos Humanos e de Processo Legislativo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“É uma decisão processual, então ela nunca discutiu mérito. Em nenhum momento discutiu as provas, se o Lula foi corrupto ou não, essa discussão não aconteceu. Ele simplesmente disse: ‘O julgamento aconteceu onde não poderia ter acontecido, portanto, anule-se tudo até o momento anterior à decisão e transfira para Brasília‘”, explicou o especialista.
Procurada pelo AFP Checamos, a assessoria de imprensa do STF confirmou que a decisão não absolveu o ex-presidente:
“O ministro Edson Fachin não analisou o mérito das decisões nos citados processos em face do ex-presidente Lula. Apenas reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba“.
Apesar de não ter inocentado Lula, destacou Mohallem, a decisão do STF fez com que o ex-presidente passasse momentaneamente a um status de inocente perante à Lei brasileira, já que a Constituição prevê que ninguém será considerado culpado “até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
“Quando a gente fala de uma decisão que inocenta alguém, é uma decisão que discute o mérito, ela discute se a pessoa tem culpa e conclui que não, que essa pessoa não cometeu esse crime”, disse Mohallem, explicando que isso não aconteceu nesse caso. Mas, “ao ser processual e anular tudo, ela [a decisão de Fachin] transforma o estado jurídico do Lula de uma pessoa condenada, para uma pessoa que é apenas investigada. Logo, ele é inocente de qualquer crime”.
Com isso, Lula recupera os seus direitos políticos e volta a ser elegível de acordo com a lei da Ficha Limpa.
- O que acontece com os casos? –
Na deliberação, Fachin ordenou que os casos sejam reiniciados na Justiça Federal do Distrito Federal. Isso quer dizer que as ações serão julgadas novamente por uma outra vara, explicou Gustavo Sampaio.
“Quando se reconhece a incompetência do juízo, o novo juízo, agora competente, tem que refazer os atos decisórios. O juiz federal em Brasília terá que julgar se recebe, ou não, a denúncia que um dia foi oferecida contra Lula. E, lá na frente, […], ele terá que sentenciar. Condenando, ou absolvendo Lula”, afirmou.
De acordo com a decisão de Fachin, acrescentou o professor da UFF, o novo juiz poderia escolher aproveitar as provas já colhidas nos processos anteriores. Isso pode ser afetado, contudo, por um outro julgamento que corre atualmente no Supremo Tribunal Federal: o da suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
Retomado no último dia 9 de março, o julgamento irá decidir se Moro atuou com interesse político ao considerar o ex-presidente culpado dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes ao triplex do Guarujá.
Para Gustavo Sampaio, se a suspeição for reconhecida pela corte, até mesmo as provas dos processos que tramitaram na 13ª Vara Federal de Curitiba cairiam por terra.
Com o placar empatado em 2 x 2, o julgamento da parcialidade de Moro foi suspenso no mesmo dia em que foi retomado após o ministro Kassio Nunes Marques pedir vista, ou seja, mais tempo para analisar o processo.
Da Agence France-Presse (AFP)