Por que os presidiários são prioritários na fila da vacina
Muito antes do início da vacinação contra o coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde já discutia a elaboração do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. Dentre as diversas informações apresentadas no documento, publicado no dia 16 de dezembro, que compreendem toda a estratégia para imunizar milhões de brasileiros, uma das mais aguardadas era a ordem de prioridades para receber a imunização.
Em nota divulgada no dia 1º de dezembro, o Ministério da Saúde informou que a população carcerária estaria entre os grupos com direito à prioridade na vacinação. Dias depois, esse grupo foi retirado da lista prioritária. Após críticas, os detentos retornaram ao grupo prioritário na versão final do plano.
No documento, a pasta aponta a população carcerária como parte de grupos populacionais “caracterizados pela vulnerabilidade social e econômica que os colocam em situação de maior exposição à infecção e impacto pela doença”. De acordo com o ministério, trata-se de um grupo que tem “encontrado diversas barreiras para adesão a medidas não farmacológicas”, da mesma forma que pessoas em situação de rua e pessoas com deficiência.
A pasta da Saúde aponta, ainda, a população carcerária brasileira como suscetível a doenças infectocontagiosas, “como demonstrado pela prevalência aumentada de infecções nesta população em relação à população em liberdade, sobretudo pelas más condições de habitação e circulação restrita, além da inviabilidade de adoção de medidas não farmacológicas efetivas nos estabelecimentos de privação de liberdade, tratando-se de um ambiente potencial para ocorrência de surtos, o que pode fomentar ainda a ocorrência de casos fora desses estabelecimentos”.
Presos estão na terceira fase da vacinação prioritária
O planejamento apresentado pelo Ministério da Saúde prevê três fases para a imunização de grupos prioritários. Na primeira etapa estão inclusos profissionais de saúde, população idosa a partir dos 75 anos de idade, pessoas com 60 anos ou mais que vivem em asilos e instituições psiquiátricas e população indígena; na segunda estão pessoas de 60 a 74 anos; e na terceira está a população carcerária junto com uma série de outros grupos, como pessoas com comorbidades (diabetes, hipertensão arterial grave, doenças cardiovasculares, etc.), profissionais da educação, membros das forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e população em situação de rua.
De acordo com Renato Kfouri, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), apesar de ser um direcionamento de âmbito nacional, os entes federados (estados e municípios) têm autonomia para adaptar o plano, caso julguem necessário, e podem decidir pela inclusão ou não de detentos na vacinação prioritária.
“Normalmente essas orientações do Ministério da Saúde são seguidas pelos estados e municípios, mas eles podem, eventualmente, alterar um ponto ou outro”, explica. “Essas evidências, essa hierarquização, isso tudo é baseado em riscos, em um monte de estudos. Os técnicos – que muitas vezes são dos próprios estados – são quem elabora essas diretrizes, então dificilmente há uma divergência importante”.
Covid-19 no sistema prisional brasileiro
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que integra o Ministério da Justiça e Segurança Pública, há 759,5 mil presos no sistema penitenciário brasileiro. De acordo com o último boletim “Covid-19 no sistema prisional brasileiro” (levantamento periódico feito pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ), publicado no dia 20 de janeiro, desde o início da pandemia houve 43,7 mil casos confirmados de contaminações pelo coronavírus em detentos e 13,6 mil entre servidores do sistema prisional. Quanto aos óbitos em decorrência da Covid-19, foram registrados 130 entre presos e 99 entre servidores. Com relação aos testes, 178,5 mil presos e 57,7 mil servidores foram testados.
De acordo com o boletim, União e estados investiram R$ 16,8 milhões para prevenção à Covid-19 no sistema prisional e socioeducativo até agora. O número, no entanto, não é exato, já que nem todos os estados enviaram ao CNJ dados referentes aos recursos aplicados no sistema prisional.
Há também uma iniciativa do sistema Judiciário, que tem destinado verbas de penas pecuniárias (alternativas para substituir penas privativas de liberdade, geralmente em condenações inferiores a quatro anos) para o combate ao coronavírus. A transferência de recursos estaduais e federais de penas pecuniárias para este fim soma R$83,4 milhões, e parte desse valore destina-se às unidades de detenção.
Especialistas avaliam como positiva a inclusão da população carcerária entre grupos prioritários
Segundo o infectologista Renato Kfouri, é válida a inclusão dos presos entre grupos prioritários para receber a vacina contra Covid-19 devido à realidade da maioria dos presídios, que favorece a ocorrência de surtos de doenças transmissíveis.
“Como toda população confinada vivendo em aglomeração constante, como é a realidade dos nossos presídios, o risco de surtos é muito grande. [As penitenciárias] não tem condições de higiene e distanciamento, e há a proliferação da Covid-19 de forma muito mais acentuada. As populações carcerárias são sempre mais vulneráveis a qualquer doença transmissível, colocando em risco não só a saúde deles, mas também dos funcionários do sistema prisional”, declara.
Kfouri também pontua que a priorização dos detentos pode ser positiva do ponto de vista econômico para os estados e municípios, já que a ocorrência de doenças transmissíveis no sistema prisional tem custos para o poder público. “Cada vez que um preso tem uma doença, ele vai para o hospital, precisa ser internado. Isso é custo para o SUS, ocupa leito, ocupa policiais na remoção, ocupa segurança dentro do hospital”.
Paulo Petry, mestre e doutor em Epidemiologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reforça a importância da vacinação contra o coronavírus aos presidiários devido ao ambiente de alta aglomeração em que se encontram. “Nós sabemos que nossos presídios têm uma superlotação natural e isso proporciona maior circulação do vírus em função dessa aglomeração. Isso se aplica a qualquer doença transmissível por vias aéreas”, afirma.
Petry explica que para alcançar a imunidade coletiva (ou imunidade de rebanho) será preciso vacinar em torno de 60 a 70% da população, o que demanda um quantitativo muito maior da vacina. Como o país está longe de ter essa disponibilidade de vacinas, até mesmo os grupos prioritários demorarão para receber a imunização, aponta o epidemiologista.
“Nós temos ainda pouca quantidade de vacinas, não conseguimos atingir nem os grupos mais prioritários, como os trabalhadores da saúde que estão na linha de frente. Mas acho perfeito priorizar grupos que estão altamente expostos, e os presidiários não deixam de ser um grupo exposto em função dessas aglomerações que existem nos presídios”, afirma.
Da Gazeta do Povo