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Coronavírus: o lugar nos EUA onde uma pessoa morre de covid-19 a cada 6 minutos

O paramédico Humberto Agurcia não parou de atender ocorrências desde que sua cidade natal, Los Angeles, se tornou o epicentro da pandemia do coronavírus nos Estados Unidos, no final de novembro.

Com 25 anos de experiência, ele diz que nunca viu uma situação tão caótica na cidade. No condado de Los Angeles, o mais populoso dos Estados Unidos, uma pessoa morre de covid-19 a cada seis minutos.

Alguns pacientes nas ambulâncias chegaram a ter que esperar 12 horas para serem admitidos em hospitais lotados.

“Sim, é incomum que isso aconteça nos Estados Unidos. Mas, apesar de ser um país tão avançado, o vírus não nos poupou”, diz Agurcia.

Trabalhadores como ele são os primeiros a fazer contato com os pacientes. Também são os responsáveis pela difícil tarefa de impedir familiares dos doentes de entrarem nas ambulâncias com seus parentes no caminho para o hospital.

“A única coisa que conseguimos manter no dia a dia é a nossa atitude, o nosso sorriso. Pacientes raramente nos verão desanimados. Manter o ânimo é a única coisa que nos sustenta para aguentar ocorrências que vão de um bebê morto a um incêndio, de um parto a uma morte por covid-19. Quando você acaba de lidar com uma emergência, o que mais importa é a próxima emergência”, diz Agurcia.

Humberto Agurcia vestidocom traje de proteção contra covid-19
Agurcia, sua esposa e sua mãe também ficaram doentes, apesar de todas as proteções tomadas

Pior situação da história

Agurcia nasceu em Los Angeles há 51 anos, mas foi criado em Guadalajara, no México, onde ficou até os 18 anos. Foi quando resolveu ir para Los Angeles para realizar o sonho de ser bombeiro.

Depois de vários anos de estudo e provas, ele se tornou paramédico dos bombeiros em 1995.

“Fiquei mais de 20 anos trabalhando no condado de Los Angeles, o mais populoso dos EUA. E te digo uma coisa: nunca na minha vida eu tinha visto algo assim”, diz ele. “Meus colegas que estão na carreira há 30 anos dizem a mesma coisa. Os hospitais estão transbordando de pacientes. Fomos inundados com chamadas de emergência”, conta Agurcia.

Alguns hospitais na área onde Aurgia trabalha não estão mais conseguindo admitir pacientes.

“Na área onde trabalho, temos cinco hospitais relativamente próximos e estão todos muito lotados. Em alguns, havia ambulâncias esperando do lado de fora no estacionamento por 8, 10, 12 horas”, diz ele.

Dois paramédicos fecham as portas de uma ambulância, onde um terceiro paramédico atende um paciente encamado
Os paramédicos estão tendo que trabalhar muito mais para dar conta da crise

“Estive em filas de ambulâncias que duram várias horas e desde o início digo aos pacientes que talvez tenhamos de esperar muito tempo. Não é fácil, às vezes eles falam que a situação não é confortável e que querem ser atendidos imediatamente. Essa situação nos levou a trabalhar muitas horas a mais do que o normal”, conta.

O plantão normal é de 24 horas, mas às vezes os bombeiros têm feito 48 e até 72 horas direto.

“E agora está nos afetando muito porque temos muitos bombeiros doentes. Fui um desses bombeiros doentes e entre julho e agosto não pude trabalhar”, conta Agurcia.

Ele foi parar no hospital com pneumonia, mas teve alta rapidamente. “Minha esposa, que também trabalha em ambulâncias e atende a cidade, ficou doente ao mesmo tempo que eu, mas melhorou mais rápido”, conta Agurcia.

Sozinhos na ambulância

Na primeira semana de janeiro, a Agência de Serviços Médicos de Emergência do condado de Los Angeles emitiu uma diretiva aos paramédicos pedindo-lhes que não transferissem para hospitais pacientes com poucas chances de sobrevivência.

Embora os funcionários da agência tenha explicado que a diretriz representava uma “mudança relativamente pequena” nos procedimentos padrão, a mudança foi considerada um lembrete para fazer todo o possível no local antes de transferir os pacientes para hospitais.

Sala de emergência improvisada dentro de uma tenda em hospital de Los Angeles; paramédicos circulam pelo local
Alguns hospitais estão improvisando tendas para abrigar pacientes em Los Angeles

Houve dias, principalmente em dezembro e no início de janeiro, em que as mortes por coronavírus em Los Angeles ultrapassaram em números absolutos as mortes por outras causas. No fim de novembro, o condado de Los Angeles havia registrado 400 mil casos. Em apenas dois meses desde então, o município já ultrapassou um milhão de infecções.

Até segunda-feira (18/01), o condado tinha quase 14 mil mortes, o dobro de países como a Arábia Saudita e quase o mesmo número do Equador.

“Uma das coisas que mudou no nosso trabalho e que nos afetou muito é ter que avisar aos familiares dos pacientes que eles não podem mais vir junto na ambulância”, diz Agurcia.

“Minha mãe também ficou na UTI por quatro meses, muito doente com covid-19. Chegamos a pensar que ela ia morrer sem que pudéssemos vê-la”, conta.

“Eu lembro disso todos os dias aqui no trabalho. Então entendo como é difícil não poder acompanhar seu avô, sua mãe, seu pai. As pessoas às vezes ficam com raiva, porque obviamente estão muito afetadas pela situação”, diz Agurcia.

“Acho que, entre todas as situações, essas eu nunca vou esquecer.”

O paramédico conta que a pandemia atingiu muito a comunidade latina. “A única diferença que noto quando atendo essas emergências é que às vezes há mais pessoas na casa porque várias gerações vivem juntas.”

Pessoas com máscaras fazem fila para vacinação em tendas médicas em Los Angeles
Los Angeles já começou a vacinação, que primeiro será feita em idosos e trabalhadores da saúde

Epicentro da pandemia

A Califórnia foi o primeiro Estado dos EUA a implementar lockdown (fechamento total de comércios e serviços não essenciais) quando a pandemia começou a se alastrar no ano passado, mas milhões de trabalhadores são considerados essenciais e tiveram que continuar trabalhando em setores como agricultura e serviços essenciais.

Especialistas apontam que a densidade na cidade de Los Angeles, onde muitas vezes várias famílias ocupam a mesma casa, tem sido um dos motivos para o aumento desproporcional das infecções nos últimos dois meses.

A população hispânica foi a mais afetada — a taxa de mortalidade latina é de 193 por cada 100 mil pessoas, em comparação com 115 para negros e 68 para brancos. E para cada duas pessoas que morrem no bairro rico de Bel Air, mais de 230 pessoas morrem no leste de Los Angeles, uma área predominantemente hispânica.

“Sim, é estranho pensar que isso possa estar acontecendo nos Estados Unidos. Mas, mesmo sendo um país tão avançado, há muita gente morando e muita gente viajando por aqui também. Não foi nenhuma surpresa que uma pandemia internacional tenha nos atingido com tanta força”, comenta Agurcia.

Agurcia ao lado da esposa, uma mulher branca com boné e uniforme de paramédica
A mulher de Agurcia também é paramédica

No quartel dos bombeiros onde ele trabalha, fica de máscara o tempo todo e não pode mais sentar comer com os colegas.

“Neste momento, há um movimento muito grande para tentarmos ajudar uns aos outros e assim lidar com possíveis problemas de saúde mental. O suicídio é um grande problema entre socorristas nos Estados Unidos”, diz ele. “Depois que há uma alta nas chamadas, ou um caso muito pesado, nos reunimos para conversar e ver quem pode precisar de mais atenção.”

Agurcia diz que há muitas tragédias, mas também histórias bonitas.

“Já recebemos cartas de agredecimentos de pessoas por termos cuidado de sua avó, que voltou para casa e coisas do tipo”, conta ele. Agurcia diz que o apoio do público tem sido importante, e todos os paramédicos estão lutando para continuar nessa batalha pelo tempo que for necessário.

“Ainda estamos no meio de uma pandemia, a situação ainda não se acalmou”, diz ele.

Da BBC Brasil

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