Moradores da cidade chinesa onde os primeiros casos da doença foram oficialmente divulgados, há quase um ano, dizem que disciplina e cautela são receita para evitar uma segunda onda de contágios.
Grandes grupos de clientes fazem fila do lado de fora das lojas de marcas de luxo em uma tarde fria na cidade chinesa de Wuhan. Tirando as máscaras nos rostos, tudo parece ter voltado ao normal na cidade onde os primeiros casos de covid-19 foram diagnosticados há quase um ano.
Embora países ao redor do mundo estejam lutando para conter as últimas ondas da pandemia, os residentes em Wuhan não parecem muito preocupados com a possibilidade de um ressurgimento. “Após o surto inicial em janeiro, não acho que testemunharemos outra infecção em grande escala em Wuhan”, diz Yen, uma professora de inglês de 29 anos.
“Mesmo que o número de casos confirmados suba novamente, sabemos como nos prevenir adequadamente de sermos infectados”, acrescenta. “Se você olhar em volta, quase todo mundo na rua segue o protocolo do governo diligentemente. Se você se esquecer de colocar uma máscara em público, alguém o lembrará.”
Epicentro da covid-19
Desde que foi identificado em Wuhan em dezembro de 2019, o coronavírus infectou mais de 68 milhões de pessoas, enquanto cerca de 1,5 milhão de pessoas perderam suas vidas globalmente. Depois de relatar os primeiros 27 casos à Organização Mundial da Saúde em 31 de dezembro de 2019, a cidade central da China foi rapidamente engolfada pelo vírus misterioso, que infectou cerca de 50 mil pessoas em poucas semanas.
Alguns residentes culparam o esforço do governo para silenciar os denunciantes e sua relutância inicial em revelar a escala total da pandemia como razões pelas quais dezenas de milhares de pessoas na cidade de 11 milhões de pessoas foram infectadas pela covid-19.
“O governo local alertou a equipe médica para não compartilhar nenhuma informação sobre o vírus e, em seguida, eles não anunciaram publicamente que o vírus poderia ser transmitido entre seres humanos durante as primeiras semanas, o que levou à rápida disseminação do vírus entre os residentes de Wuhan”, diz Li, uma habitante de Wuhan de 30 anos.
No final de janeiro, o governo de Wuhan decidiu impor um bloqueio total na cidade. O transporte público foi suspenso, e os cidadãos foram convidados a ficar em casa. O número de casos confirmados foi reduzindo gradualmente. Então, em abril, o governo regional suspendeu o bloqueio em toda a cidade e as empresas retomaram lentamente as operações nos meses seguintes.
O surto inicial e o bloqueio total de meses fizeram com que muitos residentes de Wuhan continuassem cautelosos, apesar da diminuição do número de casos confirmados. “Temos ido ao cinema, assistido apresentações ao vivo e até mesmo viajado para outras cidades desde o início do verão”, diz Lin, que pediu para ser identificada apenas por seu sobrenome. “No entanto, todos ainda estão com suas máscaras, e muitos de nós mantemos pequenos frascos de desinfetante em nossas bolsas”, ressalta. “Quando visitei Xangai no mês passado, vi que as pessoas em outras cidades não são tão vigilantes quanto as pessoas em Wuhan. Menos pessoas usam máscaras em público.”
Siga ordens, evite doenças
Enquanto a vida volta ao normal em Wuhan, muitas cidades ao redor do mundo estão entrando em outra onda de paralisações. Nos Estados Unidos, cerca de 15 mil pessoas morreram em decorrência da covid-19 na semana passada. Vários países da Europa implementaram restrições rígidas antes do feriado de Natal.
Para as pessoas em Wuhan, testemunhar outros países lutando para manter a pandemia sob controle é algo desconcertante. “Acho difícil entender por que os Estados Unidos não conseguem controlar a pandemia, apesar das repetidas tentativas de implementar medidas de distanciamento social ou lockdown estrito”, diz Yen.
“Parece que o ímpeto deles sempre foi interrompido por eventos nacionais, incluindo os protestos Black Lives Matter, a eleição presidencial e as celebrações de feriado. Acho que todos esses incidentes contribuem para sua incapacidade de conter o surto de coronavírus.”
Outros expressaram tristeza pelos países que lutam para controlar a propagação do vírus. “Sinto muito pelo resto do mundo, porque a pandemia surgiu em Wuhan em primeiro lugar”, afirma Lin.
“Acho que também podemos ver a diferença em como as pessoas de diferentes países estão respondendo às medidas preventivas”, acrescenta Lin. “Na minha opinião, a pandemia reflete a natureza do povo chinês de seguir ordens, enquanto as pessoas nos países ocidentais estão mais relutantes em sacrificar sua liberdade e direitos.”
Proteção ou vigilância?
Alguns residentes de Wuhan estão se perguntando se o “modelo chinês” é realmente tão econômico e eficaz quanto o governo afirma. “Desde o surto inicial, fui testado pelo menos cinco vezes e também me preocupo constantemente em ser rastreado pelo governo por meio dos códigos QR que os cidadãos devem instalar em seus dispositivos”, diz Lin.
Enquanto um pequeno número de casos confirmados começa a ressurgir em várias partes da China, os residentes de Wuhan vão ficando mais cautelosos sobre qualquer possível ressurgimento do surto. “Depois que o governo encontrou traços de coronavírus em alguns alimentos congelados importados alguns de meus amigos decidiram não comprar nenhum produto congelado neste inverno”, diz Yen.
“Começamos a usar máscaras no trabalho novamente, e muitas pessoas também estão tentando acumular máscaras, desinfetantes e outros equipamentos de proteção que serão úteis se houver outro surto de covid-19”, conta Yen.
Enquanto muitos países depositam suas esperanças no lançamento da vacina contra covid-19, alguns residentes de Wuhan temem colocar todas as esperanças num único projeto. “Embora a notícia da vacina me deixe menos nervoso com o inverno que se aproxima, acredito que não seja a cura definitiva para a pandemia”, diz Li. “Acho que a ciência será a única coisa com que podemos contar”, acrescentou ela.
Do MSN