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Contrato bancário – Você sabia que juros e tarifas incidentes no contrato podem ser revisados judicialmente?

Qualquer contrato, seja de empréstimo, conta corrente, cartão de crédito ou financiamento pode ser revisado, possibilitando-se, nos casos em que devidamente comprovada a abusividade, a redução do valor das prestações ou até mesmo a quitação do contrato, com ressarcimento dos valores pagos a maior.

Publicado por João Carlos Disarsz Alves , no JusBrasil

Embora eu tenha escrito há pouco mais de 04 (quatro) meses um artigo tratando da possibilidade de revisão de juros remuneratórios em contratos bancários (link), resolvi aprofundar um pouco mais sobre a revisão judicial dessa modalidade de contrato e as consequências práticas que a constatação de abusividade podem acarretar.

Pois bem. Quem já pegou empréstimo bancário, pagou cheque especial e/ou cartão de crédito em atraso, ou realizou o sonho de ter um carro/moto por meio de financiamento sabe que o instrumento assinado no ato da contratação vem redigido de forma pouco didática, dificultando a compreensão daqueles que não possuem conhecimentos específicos na área financeira. Além do mais, em grande parte dos casos, além dos valores verdadeiramente devidos à instituição financeira, são embutidos alguns encargos (remuneratórios, moratórios e/ou tarifas), os quais podem ser demasiadamente excessivos, tornando possível sejam revistos, revisados pelo Poder Judiciário, evitando, assim, que o consumidor tenha que arcar com valores indevidos.

Deveras, a matéria relativa à abusividade é extensa e não seria possível esgotá-la em alguns parágrafos; por isso, no presente artigo, serão abordados de forma mais aprofundada os 03 (três) principais motivos que possibilitam a revisão de um contrato bancário, quais sejam:

i) a cobrança de encargos remuneratórios muito acima da taxa média de juros divulgada pelo BACEN;

ii) a cobrança de encargos moratórios em caso de inadimplemento em desconformidade com os parâmetros estabelecidos em Lei;

iii) a inclusão de tarifas/taxas sem a devida comprovação de execução do serviço.

Por oportuno, convém ressaltar que os encargos descritos nos itens i) e iii) incidem diretamente no contrato, enquanto àquele descrito no item ii) somente se o consumidor deixar de pagar, a tempo e modo, aquilo que foi previamente estabelecido no contrato.

Feitos tais apontamentos, passarei a explicar de forma simples e individualizada cada um dos encargos mencionados acima e os motivos pelos quais podem se tornar abusivos.

I – ENCARGOS REMUNERATÓRIOS

Também chamados de juros remuneratórios ou compensatórios, consistem na remuneração devida à instituição financeira em decorrência do dinheiro emprestado ao consumidor para a sua devolução do capital (dinheiro) em um determinado tempo.

Essa modalidade de juros é devida e sua cobrança, em si, não é considerada abusiva, visto que as instituições financeiras “sobrevivem” desse tipo de “lucro” decorrente do empréstimo de dinheiro aos consumidores. Todavia, embora sejam devidos, deve-se estar atento ao percentual cobrado sobre as transações, pois, uma vez que não estão vinculadas a uma taxa específica, as instituições financeiras podem aplicar o percentual que lhes for mais favorável.

E é exatamente nesse ponto que alguns bancos acabam praticando condutas abusivas, impingindo o consumidor vulnerável ao pagamento de encargos remuneratórios muito acima da taxa média de juros divulgada pelo Banco Central (BACEN) para o mesmo período e para a mesma operação de crédito; ensejando uma onerosidade excessiva para o consumidor e, em alguns casos, em enriquecimento indevido da instituição financeira.

Visando equilibrar tais relações e proteger o consumidor, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando o entendimento de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva quando significativamente destoante da média do mercado, apurada pelo BACEN à época da assinatura do contrato (vide: REsp. 1.061.530/RS). Significa dizer que, embora a instituição financeira não se sujeite à limitação disposta na Lei de Usura [taxa de juros de 12% ao ano], tal permissivo não detém caráter absoluto, de modo que uma taxa de juros será considerada abusiva sempre que estiver muito acima da taxa média praticada no mercado para a mesma espécie de contrato na mesma época; e, nesses casos, será cabível a revisão do contrato a fim de readequar os juros remuneratórios cobrados em excesso, evitando-se, assim, prejuízos ao consumidor.

A propósito, é nesse mesmo sentido o posicionamento firmado recentemente pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, consoante se observa no seguinte precedente:

“AGRAVO INTERNO – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE TAXA DE JUROS ABUSIVOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – JUROS REMUNERATÓRIOS SUPERIORES À MÉDIA DE MERCADO – ADEQUAÇÃO NECESSÁRIA – HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS NO MÍNIMO LEGAL – MINORAÇÃO INDEVIDA – JULGAMENTO MONOCRÁTICO – CABIMENTO – AGRAVO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE – APLICAÇÃO DE MULTA – RECURSO NÃO PROVIDO. Conforme Súmula n. 382 do STJ, a fixação de juros remuneratórios acima de 12% ao ano, por si só, não revela abuso, o que se dá somente quando estiver configurado o excesso capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, considerando, para isso, a taxa média praticada pelo mercado. (…)” (TJMT, AgInt 1021753-26.2019.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 05/08/2020, Publicado no DJE 10/08/2020) (grifei)

Portanto, conclui-se que o reconhecimento da abusividade dos encargos remuneratórios exige a demonstração de que o consumidor, na hipótese concreta, está sendo submetido ao pagamento de tais encargos em valor demasiadamente superior à média de mercado.

E, acaso reste comprovada a abusividade dos juros, são cabíveis as seguintes medidas aos contratos ainda vigentes:

a) a redução do saldo devedor;

b) revisão da parcela paga, a fim de reduzi-la;

c) ressarcimento dos valores pagos a maior, após a compensação do saldo devedor, com a conseqüente quitação do contrato – ou somente do instrumento.

Para os contratos já quitados, se após a revisão judicial do contrato restar constatada a abusividade, existe a possibilidade de ressarcimento dos valores pagos a maior pelo consumidor.

II – ENCARGOS MORATÓRIOS

Como já mencionado, os chamados encargos moratórios consistentes nos juros de mora e multa, são incidentes somente em razão do atraso no pagamento do que foi contratado pelo consumidor, tendo cada um sua função específica.

Os juros de mora incidem durante o período de atraso, sobre o valor em aberto – seja uma prestação ou o valor total da dívida – e variam de acordo com o tempo que durar a inadimplência. Ou seja: quanto mais tempo o consumidor ficar com o débito pendente de pagamento após seu vencimento, maior será o percentual de juros de mora devidos à instituição financeira.

Por sua vez, a multa incidirá sobre o valor total da dívida e será cobrada uma única vezindependentemente do tempo que durar o inadimplemento.

Partindo de tais premissas, conclui-se que os encargos moratórios são, em verdade, uma espécie de imposição legal para que o consumidor tenha ciência que deve arcar com o que foi pactuado com a instituição financeira no momento da contratação; caso contrário, incidirão tais encargos sobre sua dívida.

Nos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do que ocorre com os juros remuneratórios, os encargos moratórios possuem percentual específico determinado por Lei, sendo de 1% ao mês para os juros de mora e de 2% sobre o saldo devedor à título de multa.

Como já aquilatado, tais percentuais encontram respaldo legal e, por apego à clareza, colaciono os dispositivos legais pertinentes, in verbis:

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

§ 1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.”

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

(…) § 1º As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.”

Desta feita, uma vez que os percentuais a serem cobrados à título de juros de mora e multa possuem previsão legal, são consideradas abusivas quaisquer cláusulas que estipulem percentuais superiores. Tanto é assim que a jurisprudência pátria é uníssona nesse sentido. Veja-se:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO PELO DECRETO-LEI N. 911/69. RECONVENÇÃO. JUROS DE MORA. REDUÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA.1. Como os juros moratórios foram pactuados em percentual superior ao de 1% (um por cento) ao mês, necessária sua redução, nos termos do art. 52§ 1º do CDC, mostrando-se abusivo o valor pactuado. 2. Consoante a Súmula nº 379 do Superior Tribunal de Justiça, nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. Como a lei específica (Lei 10.931/2004) não estabelece o percentual máximo dos juros moratórios para a Cédula de Crédito Comercial, mister que suas disposições estejam em consonância aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, ao Código Civil e ao Código Tributário Nacional. 3. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJ-GO – Apelação (CPC): 02582983820178090051, Relator: Des (a). GERSON SANTANA CINTRA, Data de Julgamento: 02/03/2020, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 02/03/2020) (sem grifos no original)

“CÉDULA DE PRODUTOR RURAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL PROPOSTA PELA SOCIEDADE DE FOMENTO AGRÍCOLA. EMBARGOS DO PRODUTOR RURAL REJEITADOS. APELO POR ESTE INTERPOSTO. APLICABILIDADE DO CDC QUE, NÃO OBSTANTE, NÃO LEVA À AUTOMÁTICA PROCEDÊNCIA DO FEITO. (…) MULTA MORATÓRIA REDUZIDA DE 10 PARA 2% EM DECORRÊNCIA DO CONTIDO NO ART. 52§ 1º, DO CDC, APLICÁVEL À LIDE. Considerando-se a possibilidade de aplicação do CDC à lide, é possível reduzir-se a multa de mora na forma do § 1º do art. 52 do CDC: “as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação“. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. MULTA MORATÓRIA REDUZIDA, SOMENTE.” (TJ-SC – AC: 00004655220148240041 Mafra 0000465-52.2014.8.24.0041, Relator: Gilberto Gomes de Oliveira, Data de Julgamento: 17/10/2019, Terceira Câmara de Direito Comercial) (destaquei)

III – TAXAS/TARIFAS

Por derradeiro, tecerei alguns comentários acerca das taxas e tarifas eventualmente embutidas nos contratos bancários, as quais, em determinadas ocasiões, podem configurar abusividade e ensejar a revisão do instrumento contratual.

Pois bem. Em tese, se existe a cobrança de determinado encargo em um contrato, é porque supostamente o serviço vinculado a tal taxa/tarifa foi executado pela instituição financeira. Todavia, para que seja considerada lícita a cobrança de tais taxas/tarifas, é necessário que a instituição financeira comprove, inequivocamente, que executou aludido serviço, sob pena de tais encargos serem considerados indevidos e, consequentemente, afastados por meio de revisão judicial.

Abaixo, trago alguns exemplos de tarifas que, eventualmente, podem ser cobradas pelos bancos e – de acordo com a hipótese concreta – pode ou não ser devidas pelo consumidor.

a) Tarifa de Avaliação do Bem: Essa tarifa é comumente cobrada pelas instituições financeiras para fins de cobrir a perícia no veículo para a liberação do financiamento. A cobrança dessa tarifa não é abusiva se efetivamente foi realizada a perícia veicular pela financeira na ocasião do financiamento e se o valor dessa tarifa no contrato não for excessivamente oneroso. Por sua vez, será considerada abusiva a cobrança da tarifa se a perícia não foi realizada, ou se, ainda que realizada, o valor cobrado no contrato for excessivamente oneroso, ou seja, muito maior do valor de uma perícia no mercado.

b) Tarifa de Abertura de Crédito (TAC): Diferentemente da Tarifa de Cadastro, a TAC era cobrada sempre que o cliente fazia qualquer operação de crédito, mesmo já sendo cliente. Contudo, desde 30/04/2008 não pode mais ser cobrada. Caso seu contrato seja posterior a 30/04/2008 e haja previsão da TAC, tal cobrança é considerada abusiva.

c) Tarifas Genéricas – intituladas como tarifas: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que se mostrem excessivamente onerosas para o consumidor. A previsão de cobrança de tarifa genérica no contrato, sem especificação acerca de qual título decorre tal cobrança, bem como sem especificar a qual contraprestação se presta remunerar, são nulas, cabendo a restituição dos valores pagos.

d) Seguro (s) e seguro prestamista: A inclusão de contrato de seguro (qualquer tipo) dentro do próprio instrumento contratual, ou seja, não podendo o consumidor decidir se queria ou não aquele contrato com aquela seguradora é abusiva e constitui o que a jurisprudência pátria e o CDC entendem como Venda Casada. Em outras palavras, o cliente não deve ser obrigado a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. Na prática, os bancos costumam exigir a contratação de tal serviço em seguradora do mesmo grupo econômico. Todavia, trata-se de prática ilegal e tal cobrança deve ser afastada do contrato.

Portanto, verifica-se que embora seja lícita a incidência de determinada tarifa no contrato, ela só será legítima se a instituição financeira comprovar a execução do serviço, bem como se for comprovado que foi facultado ao consumidor a possibilidade de escolher sobre a contratação ou não de tal serviço. Logo, para que seja verificada a legalidade (ou não) da cobrança dessa espécie de taxa/tarifa, exige-se uma análise pormenorizada de cada contrato à luz da legislação consumerista.

Esses 03 (três) itens demonstrados acima (encargos remuneratórios, moratórios e tarifas) são as principais questões que podem ser encontradas dentro de um contrato bancário.

Infelizmente, é comum que os consumidores não sejam instruídos acerca da incidência de tais encargos, sejam eles remuneratórios, moratórios, taxas ou tarifas; máxime porque, em sua maioria, os contratos bancários são “por adesão”, ou seja, não há possibilidade de discussão acerca das cláusulas ali estabelecidas, ainda que e elas sejam visivelmente abusivas. Ou você aceita, assina e usufrui do serviço; ou discorda, não assina e fica sem o serviço desejado.

Mas saiba, consumidor, que se porventura o contrato firmado com a instituição financeira estiver eivado de abusividade – a qual, friso, só poderá ser identificada por profissional competente – é perfeitamente cabível sua revisão judicial, a fim de que seja restabelecido o equilíbrio contratual.

Diante da experiência que possuo na seara do direito bancário, verifico que existem instituições financeiras que praticam inúmeras irregularidades, que vão desde a fixação de juros remuneratórios em percentual acima da média, até a inclusão de tarifas sem a devida comprovação de contraprestação (sem comprovação da execução do serviço tarifado); práticas que afrontam tanto as diretrizes fixadas pelo Banco Central e as regras estabelecidas no próprio Código de Defesa do Consumidor, como a jurisprudência consolidada pelos Tribunais Superiores.

Portanto, é aconselhável que acaso o consumidor possua contratos – seja de cheque especial, cartão de crédito, empréstimo ou financiamento – quitados ou não, que procure um profissional capacitado, que será capaz de analisar todas as cláusulas e verificar se existem cobranças de encargos considerados abusivos, à luz da legislação consumerista e das diretrizes estabelecidas pelo Banco Central do Brasil.

Sobre o autor:

João Carlos Disarsz Alves é Advogado em Cuiabá/MT, e atua na área bancária, consumerista e cível com foco em contratos, indenizações, cobranças e obrigações.

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