Valores cuja devolução foi autorizada pela Justiça são decorrentes de acordos de colaboração premiada e de repatriação
A pedido da força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal (MPF), a 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR) determinou a transferência de R$ 55.556.559,64 que estavam depositados em conta judicial, decorrentes de acordos de colaboração premiada celebrados no âmbito da operação, de repatriação de valores e de renúncia voluntária. Desse total, R$ 54.822.725,03 serão restituídos aos cofres da Petrobras e R$ 733.834,61 retornam para a Transpetro.
A decisão da juíza federal Gabriela Hardt, da 13a Vara da Justiça Federal de Curitiba, atendendo à solicitação de destinação feita pela força-tarefa, prevê e destinação integral dos valores acordados a título de reparação, perdimento e multa às empresas vítimas dos ilícitos narrados pelos colaboradores.
Desse montante restituído aos cofres das estatais, R$ 44.438.844,60 decorrem de uma parte dos valores devolvidos por investigados no âmbito de doze acordos de colaboração, sendo que em quatro deles houve, além do pagamento de multa, o repatriamento de valores.
O restante, R$ 11.117.715,04, corresponde a uma parte dos valores bloqueados em três contas bancárias mantidas pelo ex-gerente da Petrobras Glauco Colepicolo Legatti em nomes de offshores na Suíça. Ao longo da operação, já foram bloqueados e repatriados R$ 55.588.575,21 de contas do investigado; os outros R$ 44.470.860,17 foram devolvidos à Petrobras em agosto de 2018.
Para recuperar os valores integralmente depositados em uma conta judicial vinculada à 13a Vara da Justiça de Curitiba, a força-tarefa Lava Jato contou com o auxílio das autoridades Suíças em procedimentos de cooperação internacional, assim como com a anuência do próprio investigado que, embora não tenha firmado acordo com o MPF, firmou formulários para a repatriação dos valores bloqueados.
Valores expressivos – Por meio de acordos de colaboração premiada, acordos de leniência e renúncias voluntárias de valores de réus ou condenados, a Operação Lava Jato efetivamente já promoveu a destinação de mais de R$ 4 bilhões.
Do valor recuperado, R$ 3.023.990.764,92 foram destinados à Petrobras, R$ 416.523.412,77 aos cofres da União e R$ 59 milhões foram transferidos para a 11ª Vara da Seção Judiciária de Goiás – decorrentes de ilícitos que vitimaram a estatal Valec. Também já reverteram em favor da sociedade R$ 570 milhões utilizados para subsidiar a redução dos pedágios no Paraná e R$ 150 milhões vêm sendo investidos em obras no Estado.
Para o procurador da República Deltan Dallagnol, recuperar o dinheiro desviado é essencial, mas igualmente essencial é que não volte a ser desviado. “A pandemia abre a possibilidade de que governantes gastem o dinheiro público sem seguir os procedimentos de licitação ordinários. Essa elasticidade é importante para atender necessidades emergenciais, mas ao mesmo tempo abre brechas para mais desvios”, avalia.
Dallagnol lembra, ainda, da Medida Provisória 966/20, editada em 13 de maio, que dispõe sobre a responsabilização dos agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados à pandemia do novo coronavírus. “Como contrapeso da maior liberdade do gestor, deve-se reforçar o controle posterior dos gastos. A MP 966 traz preocupações nesse contexto e merece reflexão porque, em vez de reforçar, afrouxa tal controle.”
Acordos de colaboração premiada – Além de garantir o retorno dos valores desviados aos cofres públicos, tanto os acordos de colaboração quanto os acordos de leniência são ferramentas extremamente relevantes na investigação de crimes como organizações criminosas, em que é comum a destruição de provas e ameaças a testemunhas; lavagem de dinheiro, quando o objetivo é justamente ocultar crimes; e corrupção, feito às escuras e com pacto de silêncio.
Para firmar cada acordo de colaboração ou leniência, são consideradas diversas variáveis, como informações novas sobre crimes e quem são os seus autores, provas que serão disponibilizadas, importância dos fatos e das provas prometidas no contexto da investigação, recuperação do proveito econômico com os crimes, perspectiva de resultado positivo dos processos e das punições sem a colaboração, entre outras. A análise, sempre realizada por um conjunto de procuradores da República, tem por objetivo verificar se o interesse público é alcançado pela realização de cada acordo.
Para o procurador da República Roberson Pozzobon, “não fosse a conjugação de técnicas de investigação de ponta com a celebração de uma série de acordos de colaboração e leniência no âmbito da Lava Jato, é muito provável que nem 1% dos mais de R$ 4 bilhões já efetivamente devolvidos para os cofres públicos tivesse saído dos bolsos dos agentes corruptos. Percentual não muito diferente seria o dos crimes revelados pela Operação. Haveria valores bloqueados, de menor monta, mas o seu efetivo perdimento, em favor das vítimas, do Brasil e dos brasileiros, ainda estaria sendo discutido, como em muitos casos ainda está, numa das quatro instâncias judiciais brasileiras.”
Apesar de sua relevância e do benefício social, mudanças legislativas e decisões judiciais recentes têm criado um ambiente menos favorável à celebração de acordos. “O fim da prisão em segunda instância, que mitigou consideravelmente a perspectiva de punição para criminosos de colarinho branco, além de algumas mudanças inseridas pelo Congresso no pacote anticrime, que feriram aspectos centrais da lógica consensual de funcionamento da colaboração premiada, retiraram parte da atratividade dos acordos”, analisa Pozzobon.
Há, ainda, previstos para esse ano, julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de casos relativos a colaborações premiadas e que podem, também, ter impacto sobre a segurança jurídica dos acordos celebrados.