O aniversário de cinco anos era aguardado intensamente pelo pequeno Joaquim. Diariamente, o garoto abordava o assunto repetidas vezes com a mãe.
“Um mês antes, ele sabia que estava perto e todos os dias fazia centenas de perguntas sobre como seria”, relata a servidora pública Cindy Renata Camargo, de 33 anos. A família mora em Foz do Iguaçu (PR).
Nos últimos dois anos, as festas de aniversário do garoto foram realizadas na escola em que ele estuda. Em razão disso, Joaquim acreditava que os colegas de turma também participariam da comemoração deste ano.
“Ele sempre perguntava se os amiguinhos viriam”, diz a mãe. Ela relata que a amizade do garoto com os colegas de turma é considerada uma conquista. “Ele tem uma boa relação com os coleguinhas. Na escola anterior, o meu filho era excluído. Mas nesta, apesar das dificuldades, ele tem vários amiguinhos.”
A boa relação com os colegas de turma é considerada uma vitória para a mãe de Joaquim porque o garoto tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido popularmente como autismo. Trata-se de uma desordem complexa do desenvolvimento cerebral, que tem, entre suas principais características, as dificuldades de socialização e comunicação.
Segundo um estudo de cientistas americanos, estima-se que, aproximadamente, uma a cada 59 crianças tenha alguma característica do TEA.
O autismo se manifesta em diferentes níveis. Joaquim tem o TEA em grau leve. Ele possui dificuldades de compreensão e socialização. Em contrapartida, possui facilidade com leitura, escrita e idiomas. “Ele aprendeu a falar inglês, português e espanhol sozinho. Aos cinco anos, já sabe ler e escrever”, orgulha-se a mãe.
Cindy também tem autismo. “Fui diagnosticada aos oito anos. O meu grau é considerado muito leve”, explica. Ela conta que o fato de também ter o transtorno fez com que não notasse os principais sinais do filho, no começo. “Uma das características do autismo é não conseguir olhar nos olhos. Como eu também sou autista, tenho a mesma dificuldade e demorei para perceber esse sinal do meu filho, que já era observado por outras pessoas”, relata.
Ele foi diagnosticado com o transtorno aos dois anos. Assim como muitas crianças com autismo, demorou para aprender a andar e falar. “Foi tudo mais demorado no desenvolvimento dele. Mas, aos poucos, ele foi evoluindo”, diz a mãe à BBC News Brasil.
A espera pela festa
Desde meados de março, a família de Joaquim está em isolamento social, em razão da pandemia do novo coronavírus. A medida de permanecer em casa, e sair apenas para atividades essenciais, é considerada fundamental por especialistas em todo o mundo para evitar a propagação do vírus.
Após a mãe explicar a situação em que o mundo está, o garoto demonstrou compreender os cuidados com a pandemia. Ele costuma dizer que agora é tudo sem “abraço, beijinho ou aperto de mão”. O menino também diz que é perigoso sair nas ruas. “Ele sempre preferiu ficar em casa, então isso não está sendo um problema”, pontua Cindy.
No aniversário, porém, ele esperava a companhia dos amigos da escola e do avô paterno, um dos familiares com quem possui mais ligação. “Ele achava que todos viriam para a festa”, comenta Cindy.
Todos os dias, ele fazia inúmeras perguntas sobre a comemoração. O garoto fazia questionamentos sobre o sabor do bolo, a decoração da festa e se haveria brigadeiros e balões.
“Ouvir todas essas perguntas, repetidas vezes, a cada cinco ou 10 minutos, às vezes, me incomodava. Algumas vezes perdi a paciência e respondi mais grosso. Ele chorava e eu me sentia o maior monstro do mundo. Então, engolia minhas próprias frustrações e dores e continuava a responder as perguntas dele calmamente, a cada cinco ou 10 minutos, com um sorriso no rosto”, relata a servidora pública.
A mãe conta que explicou repetidas vezes ao garoto que os amigos de escola e o avô dele não poderiam participar presencialmente da comemoração, em razão do coronavirus. “Eu tentava explicar com muita delicadeza, mais que o habitual, porque falar isso também estava doendo em mim. Mas a delicadeza não era suficiente e ele chorava por isso. Ele ficava inconsolável e isso me entristecia”, relata Cindy.
A psiquiatra Rosa Magaly de Morais, médica do Programa do Transtorno do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, ressalta que a felicidade em decorrência de uma festa de aniversário é comum também em muitas crianças com autismo.
“Infelizmente, muitos pensam que os indivíduos com autismo são pouco afetivos, não gostam de carinho e se incomodam com o toque. Não é verdade. É preciso respeitar a individualidade de cada um. Mas o convívio social e a sensação de ser aceito é muito prazerosa”, diz a especialista.
“O processo de inclusão escolar não passa apenas por mediação pedagógica. O autismo não invalida questões comuns a todas as crianças, como receber convidados, ganhar presentes e ser o centro da atenção da turma por um dia. Isso pode ser comum independente de qualquer diagnóstico”, acrescenta Morais.
O aniversário
Joaquim fez aniversário na sexta-feira (8). A mãe e o pai organizaram a sala da casa com enfeites da Patrulha Canina e com um bolo com a mesma temática. Enquanto os pais montavam a festa, o garoto correu com o irmão caçula e ficou no quarto. “Ele disse que queria festa surpresa”, diverte-se Cindy.
Quando os pais concluíram a decoração, chamaram os filhos. “O Joaquim ficou emocionado e muito feliz com a festa”, diz a mãe. As professoras dele gravaram vídeos parabenizando o garoto. “Eu tinha pedido para elas me mandarem algo, porque sei que ele ficaria feliz”, diz a mãe.
Dias antes da comemoração, Cindy também havia pedido que os colegas de turma do filho gravassem vídeos para o aniversário dele. “Nenhum dos pais dos colegas mandou vídeo. Mas eu entendo, estamos em um período muito diferente das nossas vidas e está tudo muito corrido. Provavelmente, os pais não tiveram tempo de gravar os filhos”, afirma Cindy.
“Mas confesso que pra mim foi difícil lidar com isso. Por várias vezes, ele perguntou dos coleguinhas. Eu disse que eles ainda fariam vídeos pra ele e comecei a distraí-lo. Há tempos me preparo para o dia em que o Joaquim será excluído ou esquecido, mas não estou preparada para isso ainda”, lamenta.
O garoto, segundo a mãe, dormiu chorando após a festa de aniversário. “Ele soluçava e falava os nomes de alguns amiguinhos dele”, diz Cindy. Ela revela que passou a noite acordada, acompanhando o filho soluçar.
No dia seguinte, porém, o garoto acordou feliz. A mãe conta que ele estava pulando e contente com a data que viria no domingo: o Dia das Mães. “Ele ficou o dia todo me perguntando o que eu esperava do Dia das mães, se eu queria presente ou ajuda no espaguete”, relata Cindy.
No domingo (10), Joaquim deu feliz Dia das Mães para Cindy a cada dois ou três minutos, levou café da manhã na cama e fez questão de ajudá-la no almoço.
O relato no Facebook
Na segunda-feira (11), Joaquim perguntou à mãe sobre o seu próximo aniversário. “Daqui a um ano, meu filho”, ela respondeu. O garoto também questionou se os amigos de escola iriam na próxima comemoração. “Essa pergunta me deixou triste, porque vi que não era algo que ele esqueceria logo”, diz.
Cindy, então, publicou um relato sobre o aniversário do filho no Facebook. O post viralizou. Em menos de 24 horas foram mais de 50 mil reações e mais de 23 mil compartilhamentos. “Não esperava que tivesse tanta repercussão”, confessa a mãe.
Junto com a repercussão, Joaquim recebeu centenas de vídeos de parabéns de pessoas de todo o país. “Fiquei muito surpresa. O meu filho ficou muito feliz com isso. No começo, mostrei uns 15 vídeos para ele. Mas notei que ele estava ficando muito feliz e agitado, então decidi mostrar os outros depois, para que ele não tivesse uma crise”, comenta.
O garoto conta que achou o aniversário “muito legal”, assim como as mensagens que recebeu. “Teve bolo na minha festa e Patrulha Canina”, diz o menino, em breve conversa com a reportagem.
No fim da tarde desta terça-feira (12), uma vizinha deixou um presente na porta de Joaquim. “Ela viu a publicação e quis presenteá-lo. Ele ficou muito feliz”, diz Cindy. Para a mãe, toda a espera do garoto pelo aniversário terminou com um final feliz. “Estou muito grata. As pessoas foram maravilhosas com o meu filho. É muito bom saber que ainda existe tanto amor nesse país”, declara.
Da BBC Brasil